Ceará

Fortaleza Negra: contando nossa própria história

“A memória coletiva deve ser um recurso para servir para a libertação dos povos e não para sua servidão”. A partir desse pensamento do historiador Jaques Le Goff (1924-2014), a filosofia do projeto histórico-social Fortaleza Negra foi contornada: recuperar a memória da resistência dos homens e mulheres afrodescendentes no percurso da construção da cidade de Fortaleza (CE). Assim, aconteceu a primeira edição, nos dias 20 e 26 de janeiro, pelas ruas da Cidade da Luz, com aulas temáticas sobre Greve dos Jangadeiros e Abolição da Escravatura.

Foto: Agatha Creston.

A ideia das aulas do “Fortaleza Negra” surgiu durante um café entre o professor e mestre em História Hilário Ferreira e o produtor cultural, músico e estudante de História Douglas Pagodeiro. Engajados nas lutas do povo negro, tanto no campo acadêmico como na disputa por espaços políticos e culturais, os intelectuais pensaram no histórico de resistência de negros e negras escravizados pelos europeus na cidade e na memória que ela guarda.

A partir dessa troca de ideias, Douglas idealiza o projeto de forma a ser o mais acessível possível, além de gratuito. A construção das aulas aconteceu por meio de exposição oral ao ar livre, uma prática de rememoração às antigas formas de contação de história típicas das comunidades quilombolas, dos negros escravizados e das religiões de matriz africana que mantiveram a memória preservada pela oralidade.

Agenda do evento

No sábado, 20 de janeiro, a primeira aula foi ministrada pelo professor Hilário Ferreira. A concentração partiu do Centro Cultural Dragão do Mar, passando pela comunidade do Poço da Draga, onde ocorreu a primeira movimentação da Greve dos Jangadeiros. No contexto histórico, foi dado destaque ao jangadeiro Napoleão e à conjuntura política e social para que o Ceará tivesse uma rebelião popular contra o tráfico de pessoas escravizadas, fato determinante para a Abolição da Escravatura no Estado.

Foto: Agatha Creston.

No dia 26, ocorreu uma roda de conversa com Wanessa Brandão, coordenadora especial da Secretaria de Igualdade Racial do Ceará, na praça da Gentilândia, Benfica. O tema da aula foi como o Ceará se tornou o primeiro estado a abolir a escravidão em 1884 e porque há razões para chamar esse acontecimento de “falsa abolição”, já que as dificuldades que surgiram a partir disso atingem a população negra até hoje.

Idealização do Fortaleza Negra

A construção e organização das aulas foi um processo coletivo entre amigos. Douglas contactou duas pessoas negras também ligadas à luta antirracista e à valorização da cultura e memória da negritude em Fortaleza: Eduarda Oliveira e eu, Vinicius Menezes, para que pudéssemos contribuir tanto na divulgação quanto na pesquisa e na organização das inscrições. Tudo foi feito organicamente e, para a nossa surpresa, com os poucos recursos que nos foram ofertados, conseguimos alcançar mais de 100 inscrições nessa primeira edição do projeto.

O processo de construção do “Fortaleza Negra” ressaltou a importância de manter a memória coletiva como nosso escudo, especialmente em um país racista onde a juventude negra tem o futuro negado pela violência policial com a narrativa da “guerra às drogas”, tanto para controle em massa de nossos corpos ou mesmo pela negação da história do passado negro do Ceará.

Foto: Agatha Creston.

A iniciativa mostra a relevância de projetos que sirvam para o desenvolvimento da autoestima, mas também criem uma fagulha de esperança aos que sofrem e combatem o racismo presente no cotidiano. A memória do passado resistiu ao período da escravidão, mas foi manipulada pelo donos do poder. Hoje, essas lembranças podem ser preservadas e recontadas pelos filhos das comunidades Quilombolas, dos mestres capoeiristas, das mães e pais de santos que sempre marcaram presença na história cultural e social de Fortaleza. 

*Esse é um texto colaborativo escrito por Vinícius Menezes

Foto de capa: Agatha Creston.

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