Sabemos que a paternidade negra é um assunto, por vezes delicado, mas que precisa ser debatido em nossa comunidade negra. Seja suas questões negativas como positivas. Neste domingo, 8, Dia dos Pais no Brasil, o Negrê conversou com dois pais, o cearense Lucas Veras, 25, e o baiano Yan Onawale, 25. Eles contam para nós um pouco de suas experiências e o que visam com a paternidade negra com Sofia e Ylá, duas meninas negras.
Além dos desafios diários de ser pai, das responsabilidades e obrigações junto com mãe de um ser humano em formação e que se tornará um cidadão para o mundo, pais negros precisam se preocupar com problemáticas e diversas questões. Vivências essas que fazem parte da vida de quem é negro, do ser negro no mundo. Uma delas é o racismo na nossa sociedade.
Pai de Sofia
Em sua história de vida, o autônomo Lucas Veras cresceu sem referências paternas. E hoje, aos 25 anos, vive a experiência como pai da Sofia, uma bebê de apenas sete meses. Enquanto a mãe de Sofia e esposa de Veras, Rhaíssa Sousa, 25, passa uma temporada nos Estados Unidos a trabalho, ele divide as atividades do trabalho e o cuidado integral com a pequena. Veras era gerente comercial em uma empresa antes, mas pediu demissão para se tornar autônomo e ter mais tempo com a filha. Justamente por valorizar a paternidade.
“A experiência é muito gratificante que todos os dias me deixa muito feliz só que, ao mesmo tempo, me levanta uma grande dúvida: como é que uma pessoa ela pode abandonar o seu filho? como é que ela pode não querer participar ou não se interessar pelo desenvolvimento do seu filho? Porque hoje, como pai, eu percebo, eu vivo momentos simples só que ao mesmo tempo tão gratificantes, tão prazerosos, tão memoráveis… que é muito difícil compreender como um homem pode deixar de lado um filho”. É um pouco do que pensa Lucas Veras.
Sobre nunca ter tido referência paterna, Veras lembra que seu pai morava perto de sua casa e sua mãe não tinha nenhum tipo de intriga que os impedissem de manter contato. “Sempre foram escolhas dele. Inclusive, teve um determinado período em que nós passamos tanto mais tanto tempo sem nos ver que ele não me reconheceu. Ele questionou se eu realmente era o Lucas”. A vivência para ele, é “bastante dura” ao mesmo tempo em que usa como uma fonte de energia, um reservatório onde sabe exatamente tudo o que não deve fazer com sua filha.
Sofia representa, para ele, absolutamente tudo. “Hoje, o Lucas vai sempre ficar em segundo plano. Todas as minhas ações, elas são tomadas baseadas no futuro da minha filha. Eu sou uma pessoa desde o dia 29/12/19 às 13h37, que foi justamente o período em que a minha filha nasceu. Então, eu sou uma pessoa que acredita mais na humanidade. Mas não somente que acredita, mas que tenta todo santo dia fazer algo melhor”.
Veras fala que acredita que a mudança começa dentro de nós. “Eu sou uma pessoa que acredita que todos vão poder algum dia viver de uma forma justas. Que as pessoas poderão ser mais inclusas na sociedade”, afirma. O autônomo acredita numa sociedade mais justa, menos racista. E diz ainda que precisa acreditar nessa ideia, ter esperança. E compromisso com essa mudança.
A espera da menina Ylá
O fotógrafo e filmmaker Yan Onawale, 25, e sua esposa e criadora de conteúdo digital Danielle Onawale, 22, do projeto @pretosderole no Instagram estão à espera de Ylá, uma menina negra. O nome significa “Tudo o que há de mais belo“, segundo relata Yan. Danielle está com 34 semanas.
Sobre a vontade de ser pai, Yan Onawale fala que às vezes não estava preparado e até evitava conversar sobre. “Às vezes, eu dizia que não sabia e que só queria pensar nisso em futuro que eu estivesse rico. Mas, no fundo, sempre me imaginei cuidando dos meus filhos e construindo uma família”, afirma o fotógrafo.
Essa espera de uma criança que está para nascer, coloca Yan para pensar e repensar. “Vem sendo um processo de autoconhecimento e amadurecimento muito forte. Um período de ressignificação das prioridades e responsabilidades”. Quando descobriu que ia ser pai, conta que o dia foi muito louco e que sentiu um baque, além de muito medo.
“Quando fui me acalmando, me lembro de só conseguir pensar que a única coisa que eu podia fazer é estar do lado dela. E passar o máximo de segurança possível. Só não queria que ela tivesse medo que eu desaparecesse”.
E o que eles visam com a paternidade negra?
“Por si só, ser pai já é muito difícil. Pra mim, ser pai vai muito além de obrigações. É estar completamente comprometido, se dedicar, dar o seu melhor, independente se você teve um dia estressante. Independente de qualquer coisa, você sempre tem que estar lá à disposição para ajudar no desenvolvimento do seu filho”. É o que diz Lucas Veras.
“Você deixa de ter aquela criança literalmente limitada, mas que ainda continua em pleno processo de desenvolvimento. Você é a referência e você estar lá presente pra ajudar a tomar o caminho certo. Ajudar a desenvolver as competências daquela criança, a ser uma pessoa ética, a ser uma pessoa comprometida com o desenvolvimento da humanidade, a ser uma pessoa que não é egoísta, que gosta de ajudar o próximo. E isso é muito difícil! Agora quando a gente vai pra parte de paternidade negra, é dez vezes mais difícil”. É muito do que acredita e visa o autônomo, pois fala que é preciso blindar o filho desde criança contra o mundo inteiro, contra uma sociedade extremamente racista. “Isso na minha cabeça é uma coisa muito louca”.
Quando pensa em paternidade preta, Yan diz sobre ir de contra, fazer o inverso do normal, do padrão. “Tentar ser um pai mais sensível possível, sabe? Não ter que demonstrar que eu sou frio ou algo do tipo. Acho que é muito de estar próximo, não querer ficar só nesse lugar de ser só um provedor. Acho que é muito de passar a segurança pra toda a família”.
Sendo pai de uma menina negra, Onawale fala de autoestima, de proporcionar essa autoestima. “Tem uma frase que eu acho que é do Will Smith que ele fala assim: ‘Eu tenho que tratar a minha companheira do jeito que eu gostaria que minha filha fosse tratada’. Então, pra mim, isso resume muito o que é ser um pai negro, é estar nessa responsabilidade de fazer diferente”. O fotógrafo visa com a paternidade negra três palavras significativas: amor, troca e crescimento.
Foto de capa: Arquivo pessoal.
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Jornalista profissional (nº 4270/CE) preocupada com questões raciais, graduada pela Universidade de Fortaleza (Unifor). É Gestora de mídia e pessoas; Fundadora, Diretora Executiva (CEO) e Editora-chefe do Negrê, o primeiro portal de mídia negra nordestina do Brasil. É autora do livro-reportagem “Mutuê: relatos e vivências de racismo em Fortaleza” (2021). Em 2021, foi Coordenadora de Jornalismo da TV Unifor. Em 2022, foi indicada ao 16º Troféu Mulher Imprensa na categoria “Jornalista revelação – início de carreira”. Em 2023, foi indicada ao 17º Troféu Mulher Imprensa na categoria “Região Nordeste” e finalista no Prêmio + Admirados Jornalistas Negros e Negras da Imprensa Brasileira em 2022 e 2023. Soma experiências internacionais na África do Sul, Angola, Argentina e Estados Unidos.