Negril Reportagem

“Quando você é mãe negra, você tem que provar duas vezes mais que você é boa”

Esse é o sentimento expresso por Marise Cartaxo, 34, publicitária, negra, cearense e mãe, que representou em suas palavras, a realidade de milhares de mulheres nesse país, que compartilham de suas marcas sociais. O Brasil é o país em que a faixa salarial de uma mulher negra é a mais baixa em comparação ao restante da população. Também é o lugar, onde quase metade das mulheres são dispensadas de suas funções após a licença maternidade.

A publicitária Marise Cartaxo, 34. Foto: Arquivo pessoal.

Para a maioria das mulheres, ter filhos não se trata apenas de uma questão de desejo e escolha; envolve também o rumo da sua vida profissional e financeira, bem como a preocupação com integralidade dessa criança. No Brasil, segundo dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em uma pesquisa realizada em 2015, as dispensas após a licença maternidade são, em sua maioria, sem justa causa. Chegando a 51%, no caso de mulheres com baixa escolaridade. 

A gravidez pode-se tornar um período turbulento na vida de uma mulher, que se sente insegura em adquirir sustento para criar um filho; visto que o mercado de trabalho não é um ambiente acolhedor para mulheres que se tornam mães. Muitas vezes, elas também carregam o fardo de criar e educar crianças sozinhas.

Foto: Pixabay/Pexels.

Marise conta que a notícia de sua gravidez trouxe muita felicidade, pois se tornar mãe sempre foi seu sonho. No entanto, logo as preocupações começaram a aparecer. Ela trabalhava numa agência de publicidade e notou que a reação da empresa à gravidez de uma colega de trabalho, não foi positiva e, antes mesmo de engravidar, viu de perto o desgosto do mercado para com mulheres gestantes.

Marise Cartaxo, 34, e sua filha Sofia, 2. Foto: Arquivo pessoal.

Marise começou a vender bolos como forma de sustento, mas passou por um período de dificuldades na gravidez. “Eu tive um sangramento e precisei passar uns 15, 20 dias deitada. E aí eu dei um tempo de bolos, dos estudos e bateu o maior medo e a maior insegurança do mundo. Porque a primeira coisa que eu pensei foi: Eu tenho um filho, não estou empregada no momento, não estou fazendo os bolos, como eu vou fazer pra sustentar?”.

A publicitária explica que ser mulher e mãe, não são os únicos fatores que dificultam sua empregabilidade; a sua cor é mais um impeditivo no seu desenvolvimento profissional. “Quando você é mãe negra, você tem que provar duas vezes mais que você é boa. Eu sou negra, já é difícil mostrar que eu tenho conhecimento, que eu estudei”, declara.

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Além do gênero, a cor

O mercado de trabalho escolhe cor e gênero, conforme números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (PNAD Contínua), do ano de 2021-2019, a variável de pessoas maiores de 14 anos ocupadas, com rendimento, por sexo no Brasil, era de 51.588 homens para 35.908 mulheres. Além disso, o censo do 2° trimestre de 2020, aponta que mulheres negras equivalem a 18,2% da taxa de desocupação, enquanto homens brancos são 9,6% dos desempregados. 

O estudo “Pobreza Infantil Monetária no Brasil” (2022), do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), realizou levantamentos que denunciam a realidade de muitas crianças não-brancas (pretos, pardos e indígenas) no país. A pobreza extrema de crianças não-brancas no primeiro trimestre de 2021, foi aproximadamente o dobro em ralação a crianças brancas. Por pobreza extrema se caracteriza um rendimento de $ 1,90 por dia (R$ 10,24)**.

Não é de se admirar o receio de uma mãe negra em como conseguir o sustento para seu filho, numa nação com tanta discriminação no mercado de trabalho.

Lucianny Mota, 32, compartilha das mesmas ansiedades de Marise, as desigualdades estruturais que ‘governam’ no Brasil, atingem ambas. Mulher parda, mãe, e comunicadora; ela também é lida por meio das óticas machista e racista, e se vê como uma opção facilmente descartável em suas buscas por emprego

Lucianny Mota, 32, e seu filho Johann, 2. Foto: Arquivo pessoal.

Ela conta que no início da gravidez, era “ingênua” ao mencionar a gestação durante as entrevistas. “Eu fui vendo que quanto mais eu deixava claro minhas condições, menos eu tinha alguma chance nesses processos seletivos”, relata. Logo, Lucianny passou a sentir necessidades de esconder sua gestação, na tentativa de encontrar uma oportunidade de trabalho.

E ainda estende o seu relato. “Um em especial me marcou bastante, pois foi um processo tranquilo, até a última entrevista. O processo consistia em três fases, na última, ele [o entrevistador] me perguntou várias coisas sobre o meu filho. No final do processo, ele disse: Seu filho está na idade de ter a mãe do lado dele, você atendendo as necessidades dele, não é momento de você estar procurando trabalho”.

Lucianny Mota, 32, e seu filho Johann, 2. Foto: Arquivo pessoal.

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Necessidades: trabalho e licença maternidade

A ambiguidade da situação de uma mãe no Brasil é escancarada; não são contratadas ou mantidas no trabalho porque se ocupam em cuidar das necessidades de seus filhos, mas não conseguem atendê-las, pois não lhes é concedido o direito de trabalhar.

Não à toa, lares chefiados por mulheres negras tem os piores índices de saneamento básico do país. De acordo com apontamentos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estat´ística (IBGE), o acesso ao esgoto é majoritariamente branco, mulheres negras englobam 40% das pessoas sem adesão a esse recurso, enquanto 27% de mulheres brancas estão na mesma situação. 

Foto: William Fortunato/Pexels.

O benefício da licença maternidade entra como um suporte para as gestantes. Conforme o artigo 392 da Lei 10.421: “A empregada gestante tem direito à licença-maternidade de 120 (cento e vinte) dias, sem prejuízo do emprego e do salário.”. Mas a legislação se mostra insuficiente para garantir a estabilidade dessas mulheres, que estão em busca de condições para criar uma criança.

A advogada brasiliense Natália Santos, 27, explica e reflete sobre. “O empregador não pode demitir por justa causa durante esse tempo. Mas se você olhar nos tribunais do trabalho, o que acontece em todas as regiões é que o empregador simplesmente aguarda o período de 5 meses. Quando passa, ele demite essa funcionária e aí está a falha da Lei. Por que não há outra punição, não há um respaldo e nenhum tipo de auxílio a essa mulher, não há mais ferramentas legais que garantem a estabilidade após 5 meses, não ocorre”.

A advogada brasiliense Natália Santos, 27. Foto: Arquivo pessoal.

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Eleições e sua importância

A taxa de desemprego do Brasil possui uma característica marcante: o sexo feminino. Elas compõem mais da metade das pessoas sem ocupação, representando 6,5 milhões de pessoas dentro deste recorte. Além disso, quase metade dos lares brasileiros são chefiados por mulheres; o que demonstra uma significativa ameaça para o futuro do Brasil, quando não se preocupa com o contexto em que muitas crianças estão nascendo.

Foto: William Fortunato/Pexels.

Durante o período eleitoral, é comumente mencionado a primeira infância como “prioridade absoluta” para os candidatos e partidos. Mas esse raciocínio abre espaço para um questionamento pertinente. Como é possível construir uma infância que goza de direitos, para uma criança que vive na realidade de um adulto inserido num contexto precário?

Iniciativas de novos projetos de legislação, como a Lei dos Direitos da Mãe Solo (PL 3717/2021), apresentado pelo senador do Partido Movimento Democrático Brasileiro (PMDB-AM), Eduardo Braga, 61, que consiste em centralizar a prioridade de políticas públicas e dobrar benefícios para mães solos e seus dependentes, são essenciais para aumentar o suporte a essas mulheres, que buscam garantir a integralidade de seus filhos. O plano foi inicialmente aprovado pelo Senado, mas se encontra, até o atual momento, com Tramitação Encerrada; sendo apenas um dos indicadores de descaso para com essa parcela da população.

Em ano eleitoral, repensar os atores que determinam a prioridade de crianças e mulheres nas políticas públicas, é indispensável. Apoiar mulheres na política, pode ser um caminho de sucesso para o investimento público em ações e projetos, que visam não apenas amparar mães e crianças, como também construir alicerces para que esses dois grupos prosperem.

Nas eleições estaduais de 2022, até o momento, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) registrou um total de 1.806 candidaturas femininas negras para 9.605 candidaturas de homens brancos.

A negligência para com temáticas raciais no Brasil é explícita, sem nenhuma intenção de velar o racismo. Isso se mostra ao ver um debate entre os candidatos à presidência mais bem colocados no Brasil, no qual pautas raciais não foram abordadas uma única vez.

Foto: William Fortunato/Pexels.

Quem pensará pelas mulheres negras? Quem lutará por essas mães solo e por suas crianças? Eleger mulheres negras, principalmente, é fundamental para trazer representatividade e uma atenção cuidadosa a esse recorte populacional.  

*Essa reportagem é resultado da participação do Negrê no minicurso “Primeira infância e a cobertura das eleições 2022” do Nós, mulheres da periferia

**Cotação consultada no dia 29/09/2022 às 14h35 (horário de Brasília-Brasil)

Foto de capa: Tubarones Photography/Pexels.

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