Atualizado às 23h40 do dia 02/09/20
Muito se fala sobre modelos de educação no Brasil e as pautas específicas são amplas. Educação pública, acesso à educação de qualidade, educação inclusiva, há muito o que pensar sobre educações. Com o período pandêmico neste ano de 2020, surgem discussões sobre ensino remoto e falta de acessibilidade que esse modelo pode evidenciar para as populações sem acesso à internet e demais meios de comunicação e eletrônicos. Ao mesmo tempo, vemos também discussões sobre a possível retomada de aulas presenciais no país em um momento que o Brasil já ultrapassa as 100 mil mortes por coronavírus.
Em meio a tantas notícias que podemos acompanhar nos últimos meses, a banalização das mortes por covid-19 por parte do atual governo federal brasileiro se destaca. Em nota, a Organização das Nações Unidas chamou atenção para o impacto devastador do novo coronavírus sobre as populações negras em países como o Brasil. Ao observarmos pesquisas recentes, é essa a população mais afetada de forma letal pela doença no país.
O genocídio da população negra ocorre de diferentes formas e não é novidade para as pessoas pretas e os últimos meses salientam essa afirmação. A taxa de desemprego que já no primeiro semestre subiu 12,9% no Brasil (IBGE), as fragilidades do trabalho informal, a letalidade por Covid-19 que já ultrapassa os 100 mil mortos, os avanços de casos da doença no sistema prisional, são realidades que se direcionam predominantemente para uma população específica. O que não pode ser naturalizado e sim compreendido como consequência do racismo estrutural.
Considerando que qualquer instituição pode ser utilizada como mecanismo de controle para opressões raciais, a instituição escolar, como mecanismo de poder, também concentra ações de controles sobre determinados grupos sociais, como os grupos negros e indígenas. Assim, a partir do momento que compreendemos que existe um projeto colonial por traz de todas as mazelas sociais, é importante identificar as ferramentas utilizadas para fortalecimento desse projeto, a educação é uma delas.
Asa G. Hilliard III já deixou nítido que a educação é de modo histórico utilizada como mecanismo de controle da hegemonia europeia sobre as populações não brancas. O que para pessoas pretas em diáspora resulta no desconhecimento e autodepreciação de suas histórias, ancestralidade, além de uma falsa ideia de pertencimento à cultura estrangeira (como a cultura representada pelo eurocentrismo). Neste sentido, a educação pode deseducar, pode aprisionar.
Um projeto como este toma força quando em meio à uma pandemia, os corpos de crianças, jovens e adultos são colocados na linha de frente à exposição da Covid-19, com a legitimidade institucional. É o que ocorre com a possível retomada das aulas presenciais. Primeiramente vimos uma massa da população que já não teve total direito ao isolamento social, pois a necessidade de locomoção para o trabalho se fez necessária e agora, mais uma parcela dessa população que depende e busca o acesso à educação pública pode ser exposta. Sendo o Brasil o país que possui maior parte das pessoas sendo pretas e pardas, se torna nítido o perfil alvo para o que pode ser entendido como um genocídio.
Diante do que estamos vivendo hoje, as tentativas de nos anular enquanto povo preto é tanto física quanto simbólica. O que esperar hoje de governos que compactuam com o genocídio e banalizam essas mortes senão a tentativa incansável de concretizá-la ainda mais? O que não deve ser feito por nós é entender inocentemente a atuação das instituições de poder para este feito, pois as ações de extermínio estão acontecendo antes e durante ao período pandêmico de 2020.
Foto de capa: Ketut Subiyanto/Pexels.
Cientista social e mestra em Sociologia, ambos pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Atualmente, faz Doutorado em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Tem como experiência principal as pesquisas voltadas para as relações étnico-raciais, com foco em Educações antirracistas, Descolonização epistêmica e Afrocentricidade.