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3 de agosto: dia de celebrar a capoeira e o capoeirista

Três de agosto, data escolhida em 1985 como o dia para celebrar a capoeira e o capoeirista no Brasil. E para comemorar esta data, a reportagem do Negrê traz informações e dados para você aprender mais sobre o movimento da capoeira e sua importância para o fortalecimento da identidade e resistência do povo negro brasileiro.

Foto: Negros lutando (1824), de Augustus Earle.

Origem 

A capoeira é uma expressão cultural brasileira que engloba arte marcial, dança, cultura e música, mas antes de ser uma arte, a capoeira simboliza a luta e resistência dos povos africanos e afro descendentes que foram escravizados no Brasil no período Colonial (1500-1815).

Nessa época, o povo africano que era sequestrado de seus países e comunidades eram levados ao Brasil para trabalhar nos engenhos de cana-de-açúcar, nas fazendas de café, nas roças ou nas casas dos senhores, onde eram submetidos aos mais diversos tipos de violência, e de desumanização.  Para se defender das violências na maioria das vezes aplicadas pelos capitães do mato e feitores, essa população começou a desenvolver um estilo de luta, a capoeira.

Como eram proibidos de praticar qualquer tipo de arte marcial ou de possuírem armas, os negros escravizados utilizaram o seu próprio corpo como arma e desenvolveram a criação de golpes e de movimentos de defesa. Para não levantarem suspeitas, foi adaptado aos movimentos de luta cantos da África para que, dessa maneira, ela poderia ser percebida como uma dança. Além disso, acredita-se que a prática da capoeira tinha como objetivo esquecer os horrores da escravidão e manter tradições africanas.

Acredita-se também que o nome capoeira deriva do termo tupi kapu’era que significa “o que foi da mata” por meio da conexão dos termos ka’a (“mata”) e pûer (“que foi”). O que alude às áreas de mata rasa do interior do Brasil, onde era feita a agricultura indígena e muitas vezes utilizadas pelos escravizados para treinar a luta. 

Nos quilombos 

Os grupos de escravizados que conseguiam fugir se estabeleciam em áreas remotas que ganharam o nome de quilombo. Os quilombos eram assentamentos onde negros e fugitivos de outras etnias, como os indígenas, se formavam em comunidades e podiam viver livremente e até resgatar parte da sua cultura perdida por conta da opressão colonial. Essas comunidades eram constantemente alvos de ataques dos portugueses com objetivo de capturar os escravos fugitivos e a capoeira se tornou a principal ferramenta de defesa dos fugitivos da época.

Foto: Quilombo dos Palmares/Reprodução.

Pós-abolição e proibição da capoeira 

No final do século XIX, era crescente o número de fugas de escravizados e o império inevitavelmente teve que reconhecer o fim da escravidão. Em 1888, foi assinado a Lei Áurea (13/05/1888) que abolia a escravatura do País, porém os homens, agora livres, foram jogados a margem da sociedade e não receberam nenhuma reparação. Assim, sem acesso à educação e ao trabalho digno, os capoeiristas começaram a participar de desafio, e apresentações públicas em troca de algum dinheiro, além de também se tornarem guarda costas, capangas e assassinos de aluguel. Não demorou para que a prática da capoeira se tornasse novamente mal vista, tendo sido proibida no Brasil. Ela foi oficialmente considerada crime no ano de 1890 pelo código penal do Brasil:

“Art. 402. Fazer nas ruas e praças públicas exercício de agilidade e destreza corporal conhecida pela denominação Capoeiragem: andar em carreiras, com armas ou instrumentos capazes de produzir lesão corporal, provocando tumulto ou desordens, ameaçando pessoa certa ou incerta, ou incutindo temor de algum mal;”

Qualquer cidadão que fosse pego praticando a capoeira era torturado pela guarda policial, e em consequência dessa proibição os capoeiristas começaram a praticar a luta em locais afastados. Onde geralmente uma pessoa ficava de sentinela para avisar caso fossem avistados.

Em 1937, o Mestre Bimba (1899-1974), que, para afastar a imagem marginalizada da capoeira, iniciou um processo de sistematização dos movimentos da capoeira, de treinamento e fundou um centro de cultura física e regional. Lá, ele ensinava capoeira, mas a chamava de luta regional baiana, pois seu nome ainda era proibido. Somente em 1940 a capoeira não foi mais considerada crime.

A capoeira hoje

Em 2014, a capoeira foi finalmente declarada patrimônio imaterial da humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO). Tornou-se um aspecto cultural, presente em dezenas de países e em todos os continentes. Então, existem hoje, diversos tipos de capoeiras cada uma com características específicas entre si. Independente da sua diversidade hoje, a capoeira é símbolo de uma luta, a luta da resistência do povo negro e que precisa ser valorizada e lembrada como parte de nós, parte da identidade brasileira.

Conheça uma música de capoeira:

Vou encontrar Zumbi

Eu não posso ficar aqui
Lá pra senzala eu não quero ir
Hoje eu vou me libertar
Vou lá pra Capoeira, vou encontra Zumbi
Ainda dentro de um navio negreiro
Quem eu amava foi embora

Eu vi filho e mulher sendo amarrado no pé
E ainda jogado no mar de Angola
Deus me apareceu de olhos fechados
Perguntei Oh Deus porque tanto sofrimento?
Deus me disse que o homem é assim
Pare e pense um pouquinho

Jesus morreu na cruz sem ter pecados
Eu vou me embrenhar na mata
Vou atrás da minha liberdade
O feitor não vai me pegar
Hoje vai comer poeira vou encontra Palmares

Posso até não me libertar mais eu tento
Isso é pra você que só vive no lamento
Vai atrás do que você quer
Seja homem ou mulher
Você é maior do que todos pensam

Referências

SODRE, Muniz – Mestre Bimba: Corpo de Mandiga (2002)
FERREIRA, Neto-  A luta dos capoeirista pelo direito da cultura (2015)

Foto de capa: Roda de capoeira na Bahia/Ricardo Frantz.

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