Em 2019, aqui em Melbourne, na Austrália, eu tive uma experiência incrível naquele dia quente de janeiro, verão australiano. Vi ao vivo, no Rod Laver Arena, um dos maiores jogos da história do Tênis: uma grande final do Australian Open entre Serena Williams e sua irmã mais velha, Vênus Williams. A ressalva para aquela final foi que Serena já estava grávida, tornando-se a única vez nos registros que uma final de tênis teve três corações batendo na quadra.
Ao longo dos anos indo para o Australian Open (desde 2004 sou frequentador assíduo), não me lembro de ter pensado que deveria ter que escolher um jogo da Maria Sharapova para poder assistir um jogo do tenista americano James Blake ou que deveria preferir a Naomi Osaka.
Sim, sei que uma é mulher e o outro é homem, mas a qualidade do jogo e da diversão são semelhantes para mim. Depois de muita experiência no Open, eu aprendi que, na verdade, se eu tiver que escolher um, pessoalmente prefiro assistir ao tênis feminino porque os jogos geralmente são mais equilibrados e também mais curtos. O que me deixa com mais tempo para beber e socializar.
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Primeiro contato
Lembro-me da primeira vez que vi mulheres jogando futebol. Numa tarde de sábado, num dia também quente, que é costumeiro na cidade do Rio de Janeiro (RJ). Foi no longínquo ano de 1985 no Estádio da Portuguesa (Estádio Luso Brasileiro) na Ilha do Governador, zona norte carioca. O jogo foi péssimo, e os torcedores, em sua maioria homens, gritavam palavrões baixos para as jogadoras. Uma experiência traumatizante para um menino de quase nove anos de idade.
Duas coisas aconteceram comigo naquele dia: absorvi todo o machismo destilado por homens mais velhos e passei a não gostar de futebol feminino.
Depois da Copa do Mundo de 2018, quando Neymar virou a piada do mundo ao rolar, fingindo dor nos gramados russos, Marta, a camisa 10 do Brasil, virou símbolo de talento e dignidade no esporte. Marta se tornou, ao meu ver, a anti-Neymar.
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Diferença entre o masculino e feminino
Anos antes, por causa do retrocesso político que pairou pelo Brasil desde 2018, a camisa do Brasil virara símbolo da extrema-direita. Neymar e sua equipe não ajudaram suas imagens além de se comportarem mal e, em sua maioria, apoiarem o retrocesso, um dos jogadores da seleção em 2022, que era tido como “transcender o futebol” pelo então técnico Tite, foi recentemente preso por estupro.
Quando aconteceu o Mundial masculino de 2022 no Catar, e depois que a Seleção apoiou abertamente o fascista e o então presidente Bolsonaro, optei por não torcer. Em vez disso, comemorei a vitória argentina sobre a França.
A medida em que a Copa do Mundo da Austrália e da Nova Zelândia se aproximava, questionei minha resistência ao futebol feminino. O que encontrei foi aquele garotinho gritando e implorando para que eu abandonasse toda aquela misoginia aprendida tão cedo. Ao ver as cenas na Nova Zelândia com a ex-primeira-ministra Jacinta Alen chorando após a vitória épica da seleção da casa sobre a poderosa Noruega, e ontem, segunda-feira, depois de ver a torcida brasileira vestida com orgulho com a camisa Canarinho que até então estava esquecida, resolvi sair do armário limitador e oppresivo do machismo.
Depois do show que o Brasil deu ao vencer o Panamá por 4×0 no primeiro jogo no grupo F, posso garantir: o futebol feminino e a seleção brasileira agora me enchem de orgulho. Já consegui tickets para o Jogo do Brasil contra Jamaica que irá ocorrer no Melbourne Retangular Stadium dia 2 de Agosto de 2023, aqui na Australia, e vou ter a honra de participar desse momento historico mais uma vez, ao vivo.
Com o avanço e destaque do esporte no âmbito mundial, além de premiações e patrocínios crescendo e com maior visibilidade, espero um dia, como já faço no tênis, não ter que escolher um em detrimento do outro. Vou amar os dois! Vai, Brasil! Obrigado, mulheres brasileiras! Aquele garotinho agradece!
Foto de capa: Thais Magalhães/CBF.
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Negro, nordestino e radicado na Austrália desde 2003. Tem Bacharelado em Digital Mídia & Escrita e atualmente cursa o Mestrado de Pesquisa, ambos pela Victoria University, em Melbourne. Guido é um Learning Designer, poeta e escritor. Seus artigos podem ser lidos na SBS voices, Cordite Poetry, Mantissa Poetry, Alma Preta Jornalismo, Guia Negro, A Voz Limpia, Peril Magazine, RightNow, Meanjin, Overland e Ascension Magazines. Guido participou de festivals como o Emerging Writers Festival & The Melbourne Writers Festival. É escritor contribuinte da Antologia Growing Up African in Australia, lançada na Austrália pela Black Inc. em 2019 e das Antologias Racism: Stories on Fear, Hate & Bigotry (Sweatshop, 2021), Resilience: Mascara Literary Review (Ultimo Press, 2022), Povo (Sweatshop, 2024) & Handbook of Critical Whiteness | Deconstructing Dominant Discourses Across Disciplines (Springer, 2023).