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Black Earth Rising: uma aula de história em forma de série

Vinte e cinco anos após um dos maiores massacres da história mundial, a Netflix lançou a minissérie em oito episódios, Black Earth Rising (Terra negra em ascensão). Estrelada pela excelente atriz Michaela Coel (Black Mirror), a série conta a história de Kate Ashby, uma investigadora de origem ruandesa, que foi resgatada e adotada durante o genocídio em Ruanda pela advogada especialista em Direito Penal Internacional, Eve Ashby (Harriet Walter).

Cercada de marcas físicas e psicológicas deixadas pelo genocídio, Kate vive entre uma vida bem estruturada em Londres e as pequenas lembranças sobre o seu passado. Mas ela não sabe quem é e carrega vários traumas. Não se lembra de sua família, de sua infância e nem mesmo do próprio nome de batismo.

Kate acredita que é uma tutsi (etnia em Ruanda), e se vê tendo que confrontar sua história quando sua mãe vai ao tribunal contra um general Nyamoya, também tutsi. O general fora considerado um heroi na derrota do genocídio e é assim que Kate Ashby o vê, mas ele passou a ser um criminoso de guerra e acaba sendo assassinado por terroristas, assim como, acidentalmente, Eve.

O assassinato da mãe, que era seu porto seguro, é o ponta pé inicial para a jornada que Kate traça na série. 

Ao lado do advogado Michael Ennis (John Goodman), Kate parte numa profunda investigação dos desdobramentos pós-genocídio, ora para defender a ruandesa Alice Munezero, ora tentar prender o genocida Patrice Ganinama. Mas Kate acaba esbarrando em sua própria história, num drama que deve ser acompanhado com muita atenção e respeito, pois, apesar de ser ficção, traz parte da história de centenas de ruandeses.

O genocídio em Ruanda aconteceu em 1994, quando durante um período de 100 dias, quase um milhão de pessoas, prioritariamente da etnia tutsi, foram assassinadas por extremistas da etnia hutus. O genocídio teve início após os hutus acusarem a Frente Patriótica Ruandesa (RPF), de etnia tutsi, pela queda do avião que transportava o então presidente do país, que era hutu. A rivalidade entre duas etnias existia desde 1959, quando os hutus derrubaram a monarquia tutsi. Os tutsis fugiram para países vizinhos, onde criaram o grupo rebelde Frente Patriótica Ruandesa (RPF). Em 1990, a RFP invadiu Ruanda e as duas etnias permaneceram em guerra até selarem um acordo de paz em 1993.

O diretor e roteirista da série, Hugo Blick, não esconde a realidade do que foi o massacre, mas ele apresenta o genocídio numa animação em preto e branco, sem economizar na dramaticidade. Ele mexe nas feridas e apresenta uma importante crítica a ação da igreja católica, da Organização das Nações Unidas (ONU) e de outros países durante o massacre em Ruanda, como a França, que foi acusada de fornecer treinamento de guerra aos hutus. A crítica se estende à Bélgica, país colonizador de Ruanda, que incentivou a rivalidade entre as etnias desde a colonização. 

Em cada episódio, compreendemos mais o drama da personagem, suas fraquezas e pontos fortes. E em cada investigação, Kate também é afetada e as surpresas reabrem suas feridas para depois curá-las. Quem viu a participação de Michaela Coel nos episódios da série Black Mirror, não tem ideia da verdadeira força dessa atriz. É em Black Earth Rising que ela ganha destaque como protagonista e faz isso de maneira excelente. Ela faz uma Kate Ashby extremamente traumatizada, carregada de drama e sofrimento.

Black Earth Rising mostra não apenas a busca da personagem pela sua identidade, mas por uma reflexão sobre o próprio comportamento humano e os motivos que podem levá-los a criar uma guerra e qual o papel dos diversos países na luta contra a barbárie em algumas nações. A série é uma tremenda aula de história. Lembrando que muitos países negligenciaram o massacre em Ruanda, um país africano e sem recursos, em detrimento da Bósnia, que também estava em guerra na mesma época e era mais importante para a Europa colonizadora.

A série tem oito episódios de um hora cada e é uma coprodução da Netflix com a BBC Two. Uma preciosidade escondida entre tantos títulos no catálogo da Netflix.

Confira o trailer:

FICHA TÉCNICA

Black Earth Rising
Ano:
2019
País de origem: Reino Unido
Duração: Oito episódios de 60 minutos
Gênero: Drama/Policial
Classificação: 16 anos
Direção e Roteiro: Hugo Blick
Elenco: Michaela Coel, John Goodman, Tamara Tunie, Noma Dumezweni, Lucian Msamati e Harriet Walter
Onde assistir: Netflix

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