Eu, você e eles conhecemos bem a história de Romeu e Julieta. O início, meio e fim. Mas é evidente que nós não vimos uma Julieta e um Romeu, ambos negros, antes. E é o que os bailarinos brasileiros Monike Cristina, 32, e Gabriel Fernandes, 30, vão interpretar no espetáculo da nova temporada da Joburg Ballet, uma companhia profissional de dança situada em Joanesburgo (África do Sul). A sequência de performances terão início nesta sexta-feira, 30, e vão até o próximo dia 9 de julho, no Joburg Theatre.
Os bailarinos brasileiros que fazem parte da companhia Joburg Ballet vem trabalhando há meses para trazer corpo, forma, sensibilidade e sintonia à história de Romeu e Julieta no palco. E o Negrê teve oportunidade de conversar um pouco com Monike Cristina e Gabriel Fernandes a respeito do novo trabalho desempenhado e a percepção dos artistas com essa história. Confira!
Negrê – Você já interpretou o papel de Julieta na sua carreira antes? Como foi o processo e qual a diferença deste ano? O que você destaca?
Monike Cristina – Esta será a primeira vez que irei interpretar este papel de Julieta.
N – Como tem sido o processo de estudo e preparação pra essa personagem?
M.C. – O processo tem sido muito legal, tenho estudado outras versões de outras companhias, olhando a interpretação de cada bailarina e lendo mais sobre a história. Embora eu já conhecesse, sempre tem uma curiosidade, pequenos detalhes que somente quando você se aprofunda você descobre um estudo pessoal no estúdio com meu partner Gabriel. Tem sido bem divertido também, é o primeiro ballet completo que vamos dançar juntos. Estamos bem ansiosos pela estreia.
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N – Quão importante é pra você, como bailarina negra, dar vida a uma Julieta negra no palco? Quais são seus sentimentos sobre essa experiência?
M.C. – Eu estou muito animada com a oportunidade de poder dar vida ao ballet. Ainda mais um ballet tão maravilhoso ao qual sou suspeita pra falar, pois é um dos meus favoritos. Dar vida a Julieta eu acredito que vai ser um crescimento e amadurecimento muito importante pra minha carreira.
Negrê – Como você se sente fazendo o papel de Romeu neste momento de sua carreira depois de retornar oficialmente de uma lesão? Como tem sido a rotina com essa nova experiência? O que você destaca?
Gabriel Fernandes – Olha… muito feliz, muito mesmo! Eu queria muito interpretar Romeu, sempre foi um sonho. Mas eu tinha dúvidas sobre fazer parte do elenco principal, eu acabei de voltar depois de um ano parado. Fiz a primeira temporada tomando muito cuidado, claro, mas não dancei nada comparado ao Romeu. Então, por eu ver que o pessoal na companhia estava tendo todo um cuidado comigo, achei que não fosse interpretar Romeu. Mas também depois quando eu vi o elenco, meu coração pulou de alegria. A rotina tem sido desafiadora, no início foi mais difícil ter que adaptar a uma parte nova no meu corpo, ter que me acostumar a dançar com algo que não fazia parte de mim (tendão), mas agora graças a Deus já está bem melhor, depois de muito acompanhamento de fisioterapeuta (ainda tenho acompanhamento), academia, alimentação e ensaios com total atenção na minha recuperação. Tudo isso tem me deixado mais confortável e um pouco mais confiante nesse momento específico da minha vida e carreira. Mas o mais importante está sendo a atenção que estou tendo que ter comigo mesmo, aonde eu posso dar mais de mim sem me machucar, aonde eu posso descansar. Isso está sendo um desafio, mas ao mesmo tempo, um novo autoconhecimento.
N – Como tem sido o processo de estudo e preparação para trazer esse personagem ao palco? Como você tem trabalhado sua mente?
G.F. – Então, tem dias que não é fácil, eu interpreto dois personagens completamente opostos um do outro. Romeu, 17 anos, jovem sonhador, apaixonado, cheio de amores e todo feliz. Do outro lado, eu tenho Tybalt (amo esse personagem), um pouco mais velho que Romeu. Tybalt! O cara que acha que ele é o melhor, que está sempre procurando briga com Romeu e sua família, um cara numa outra energia, completamente oposto de Romeu. Tem dias que eu saio com o emocional e o físico muito, mas muito cansado, por ter que pensar nos dois e ter que, ao mesmo tempo, mudar o meu jeito de pensar e agir em questão de segundos! O que eu tenho feito é assistir filmes e ballet sobre Romeu e Julieta, e às vezes nem só sobre R&J, mas filmes que me remetem as características dos personagens, lendo sobre a história para que eu possa criar características próprias de um e de outro que não me deixem confuso e tão louco hahahaha… mas eu ainda não consegui achar uma chavinha para ser algo fácil, ao ponto de trocar a mentalidade de um para o outro ou terminar um ensaio onde eu vejo a Julieta morta, ter que chorar por ela e logo mais ter ensaio de Tybalt numa luta. A minha emoção ainda precisa de tempo para sair dessa transe.
N – Qual a importância para o povo de ver um Romeu negro no palco? Qual tem sido o seu sentimento sobre esse trabalho?
G.F. – Olha, tem sim uma importância muito grande e um peso maior ainda, sem sombras de dúvidas. Mas eu tento não carregar esse peso, porque já está mais do que na hora do público aprender a ver bailarino interpretando determinado personagem e não a cor da pele de um bailarino. O público está lá para ver a interpretação, para ficarem deslumbrados, entrar na história com o artista e não comentar como o Romeu é preto. Porque assim como eu tive a oportunidade de ver e dançar ao lado de um e me emocionar com o bailarino, eu quero que as pessoas façam o mesmo comigo. Olha, para ser bem sincero… eu, Gabriel, não penso muito sobre esse fato, e tentando não pensar, porque sei o sentimento que isso pode me trazer. Eu, na verdade, fico feliz pelos meus diretores terem visto um bailarino capaz de interpretar Romeu e não um bailarino negro para interpretar Romeu. Porque o que eu luto e sempre lutei comigo mesmo era: mostre o bailarino que você é, faça o que te queiram pelo bailarino que você é, porque assim como eu quero que me enxerguem um bailarino e não um bailarino negro, eu gostaria que meu público visse também um bailarino capaz de interpretar qualquer parte, independente da cor!
Confira detalhes
Romeu e Julieta – Joburg Ballet
30/06, sexta-feira às 18h30 – Shannon Glover e Bruno Miranda
01º/07, sábado às 14h00 – Monike Cristina e Gabriel Fernandes
02/07, domingo às 14h00 – Shannon Glover e Bruno Miranda
05/07, quarta-feira às 11h00 – Monike Cristina e Gabriel Fernandes
06/07, quinta-feira às 11h00 – Nicole Ferreira-Dill e Armando Barros
08/07, sábado às 14h00 – Nicole Ferreira-Dill e Armando Barros
08/07, sábado às 18h30 – Monike Cristina e Gabriel Fernandes
09/07, domingo às 14h00: Shannon Glover e Bruno Miranda
Foto de capa: Lauge Sorensen.
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Jornalista profissional (nº 4270/CE) preocupada com questões raciais, graduada pela Universidade de Fortaleza (Unifor). É Gestora de mídia e pessoas; Fundadora, Diretora Executiva (CEO) e Editora-chefe do Negrê, o primeiro portal de mídia negra nordestina do Brasil. É autora do livro-reportagem “Mutuê: relatos e vivências de racismo em Fortaleza” (2021). Em 2021, foi Coordenadora de Jornalismo da TV Unifor. Em 2022, foi indicada ao 16º Troféu Mulher Imprensa na categoria “Jornalista revelação – início de carreira”. Em 2023, foi indicada ao 17º Troféu Mulher Imprensa na categoria “Região Nordeste” e finalista no Prêmio + Admirados Jornalistas Negros e Negras da Imprensa Brasileira em 2022 e 2023. Soma experiências internacionais na África do Sul, Angola, Argentina e Estados Unidos.