Tentando encurtar esta distância durante a maior crise sanitária enfrentada pelo mundo, a pandemia do Covid-19, – sem sair de casa, a redação do site Negrê está realizando a primeira série de reportagens, o especial África Sustentável. Dando prosseguimento às reportagens especiais, desta vez, falaremos das iniciativas de Sustentabilidade em Angola.
Apenas 6.589 quilômetros separam a Região Nordeste do Brasil do país Angola, situado na região Central do Continente Africano. A nação é a sexta com maior dimensão. O seu território compreende uma área de 1.246.700 quilômetros quadrados, com uma costa de 1.650 e fronteira terrestre equivalente a 4.837 quilômetros.
A população angolana está estimada em 30,81 milhões, de acordo com os dados recentes (2018) do Banco Mundial. Sendo um pouco mais da metade (50,53%) do sexo feminino e um pouco menos da metade (49,47%) do sexo masculino. Já números mais recentes (2020) do Instituto Nacional de Estatística (INE) de Angola estima 31,12 milhões de angolanos. O Produto Interno Bruto (PIB) equivale a 101.353 bilhões. Sua moeda é o kwanza angolano e sua língua oficial do país é o português.
Angola foi acometida por uma guerra civil de duração de 27 anos. Após o seu fim, em 2002, conseguiu manter uma estabilidade política. Em 2010, mudou o seu sistema político ao estabelecer um sistema parlamentar presidencial. Neste caso, o presidente deixou de ser eleito pelo voto do povo e passou a ser o primeiro da lista do partido que conseguisse conquistar mais localidades. O atual presidente é João Lourenço, 66, do partido Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA).
A nação é dividida por 18 províncias. Os principais centros urbanos são as cidades de Luanda (capital), Huambo, Lobito, Benguela, Lubango, Uige e Kuito. Elas estão divididas por municípios, subdividindo-se em comunas, bairros e povoações. Em relação à economia, ainda segundo dados (2018) do Banco Mundial, o setor do petróleo representa um terço do Produto Interno Bruto (PIB), além de 90% das exportações.
O povo angolano sofre com os baixos níveis de acesso à água potável e ao saneamento. Apenas 44% da população têm acesso à água potável, conforme dados do Censo (2014) do Instituto Nacional de Estatística (INE). As estatísticas ainda mostram que o país é o segundo com a taxa mais baixa do mundo.
Contrariando os baixos índices, um grupo de mulheres luta para que o país seja melhor para uma nova geração de jovens. Com o recurso das redes sociais e as iniciativas sustentáveis, elas buscam mudar essa realidade.
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As Zungueiras e o mercado informal
O bom exemplo que vem do campo são as mulheres Zungueiras. Para se ter uma ideia, dados do Inquérito de Indicadores Múltiplos e de Saúde (IIMS), referente aos anos de 2015 e 2016, mostram que 35% dos agregados familiares* é chefiado por mulheres. Esse número chega a ser um pouco maior de acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), para o mesmo período, sobe para 38%.
Por conta do período de guerra civil, enfrentado pelo país que durou 27 anos, muitas famílias preferiram fugir para a área rural de Angola, provocando um êxodo rural significativo. Neste sentido, houve um deslocamento maior para a capital Luanda. Diante de tantos problemas, a solução encontrada por este grupo foi o mercado informal. Atividade que passou a ser bastante conhecida na nação como Zunga**.
De acordo com o professor universitário, influenciador social, co-fundador da YALI Learns Angola e presidente da Mais em Comum (Associação de Cidadania e Filantropia), Hamilton Alberto, 31, a atividade econômica desenvolvida pelas Zungueiras emprega um grande número de pessoas. Esse comércio acontece nas grandes capitais de Angola ou localidades com a maior facilidade às negociações, onde são comercializados produtos agrícolas ou industrializados.
“Elas representam uma luta diária, visando manter a subsistência da sua família. Muitas delas têm filhos de formação superior, estão a frequentar a Universidade ou ensino médio. Não é uma venda reconhecida, mas existem locais específicos para que essa venda seja efetuada. Então, muitas vezes ocorre um enfrentamento com os agentes fiscais porque essa venda muitas vezes é efetuada em locais impróprios ou não autorizados. No passado [esse enfrentamento] era muito frequente, mas nos últimos anos esse comportamento reduziu significativamente entre os fiscais e algumas vezes os polícias”, conta.
Segundo o professor, outra característica muito comum na vida dessas mulheres é que geralmente os maridos não dão um apoio efetivo e muitas vezes eles têm um emprego precário. São famílias que têm um grande número de filhos, geralmente acima de três. “Tu poderás encontrar em diferentes pontos da cidade, elas sempre com um filho nas costas”.
Os dados do Relatório sobre Despesas, Receita e Emprego em Angola (IDREA) – referente aos anos de 2018 a 2019 – apontam para uma incidência (41%); o sexo mais afetado é o feminino. De acordo com Alberto, para melhorar essa triste realidade, o país está entre os que fazem parte da Agenda dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), lançada em 2015.
O especialista ainda diz que o Governo Angolano possui medidas para a promoção do desenvolvimento socioeconômico e territorial. O Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), abrangendo níveis nacional, sectorial e provincial de planejamento tendo como meta a implementação de ações estratégicas de desenvolvimento a longo prazo.
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A agricultura familiar: um caminho para a sustentabilidade
No caso específico da agricultura familiar, ela representa a subsistência de grande número de famílias. O Instituto de Desenvolvimento Agrário (IDA) registrou no último censo mais de 3 milhões de famílias de agricultores.
“A agricultura familiar atualmente é responsável por 70% da produção nacional no que tange aos cereais, leguminosas, raízes e tubérculos. Em meio a estes números alguns agricultores enfrentam situações adversas com a seca na região sul do País. Anualmente o IDA, através das cooperativas de camponeses apoia com meios mecanizados diferentes agricultores nas diferentes regiões do país”, acrescenta Alberto.
Para o professor, o desenvolvimento sustentável em Angola deve ser visto numa perspectiva multidimensional. “Achamos que é fundamental a integração inclusiva e coesa dos diferentes extractos da sociedade angolana nos diferentes processos que visam à sustentabilidade. Angola, desde setembro de 2017, tem conhecido novas formas de construção de narrativas inclusivas com abordagens concretas e abrangentes para construção de soluções aplicáveis ao contexto local”, defende.
O pesquisador ainda diz que o desenvolvimento sustentável é fundamental para qualquer setor de atividade humana. São essas ações que atrelam valores sociais e econômicos, além de diminuir o impacto das mudanças climáticas que vão acontecendo ao longo dos anos e afeta milhares de famílias. Ainda reitera que nesta terça-feira, 29, foi empossado pelo Presidente da República o Conselho Econômico e Social que terá o papel de propor ideias ou trazer soluções inclusivas para os angolanos. A entidade é constituída por 45 integrantes, vindos de diferentes esferas de Angola.
“A juventude representa a maior parte da população angolana, sendo ela o maior capital humano que possa impulsionar o desenvolvimento sustentável. Infelizmente, na atual situação econômica e social, somando com os efeitos colaterais da pandemia do Covid-19, há um grande número de jovens atirados no desemprego e isto fragiliza a participação comprometida dos jovens na construção social que se quer. Achamos que há uma grande vontade destes jovens em serem partícipes ativos e não obstante a isto existe também o compromisso da parte do Governo em garantir uma melhoria significativa na vida da sociedade em particular aos jovens”, finaliza.
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As redes sociais como aliadas na luta por uma Angola sustentável
Um outro exemplo é o que tem feito a engenheira do ambiente e mestranda em Turismo e Ambiente, Walkiria Chantre, 22, nas redes sociais. Chantre dedica-se a abordar conteúdos sobre a sustentabilidade e a vida sustentável. No instagram e no seu canal no youtube, produz conteúdos sobre reciclagem, reutilização, além de livestream sobre o consumo sustentável.
“Tenho feito esse trabalho de consciencialização das pessoas através do meu Instagram. Existem também algumas outras pessoas que mesmo não tendo estudado na faculdade, a faculdade de ambiente, mas tem se preocupado e partilhado postagens na internet. Então, eu diria que essas ações maioritariamente têm sido feito pela internet e as pessoas estão aderindo”, afirma.
Ela começou a se interessar pelo meio ambiente em casa, com os seus familiares. “Tudo começou devido a influência na minha mãe e as pessoas mais próximas a mim, minha madrinha. São pessoas que sempre procuraram conscientizar-se da importância de proteger o ambiente, de protegermos a nossa terra, para fazermos aquilo que é nosso. Nós queremos desfrutar. Queremos que os nossos filhos também possam ter essa oportunidade”, conta.
O interesse pelo meio ambiente fez com que Chantre estivesse no curso de engenharia do ambiente. “Eu tenho um bom gosto das preocupações ambientais. Gosto da engenharia. Então, fui para o curso de Engenharia do Ambiente. Dentre as inúmeras áreas que o curso aborda, eu gostei mais da sustentabilidade e da ecologia”, relata.
Para a engenheira, é importante falar sobre a sustentabilidade em Angola justamente porque ela não só visa a proteção do meio ambiente, mas sim um equilíbrio entre as atividades humanas, como por exemplo, a harmonia entre a economia e a sociedade.
“Nós precisamos deste equilíbrio. Embora Angola careça ainda de desenvolver-se em muitos sentidos, justamente por isso não deve-se ter um desenvolvimento desorganizado para depois buscar a sustentabilidade. É viável que o desenvolvimento comece já desde a base a ser sustentável e baseado nos princípios da sustentabilidade. Angola é um país rico em recursos naturais e nós precisamos proteger”, ressalta.
Dentre as iniciativas de sustentabilidade no país, ela cita o desenvolvimento das atividades que fazem uso da compostagem no sentido de reduzir os resíduos e utilizá-los como fertilizante para a agricultura, uma atividade muito presente na atividade econômica angolana. Principalmente, a agricultura familiar.
“Outra coisa que se enquadra na sustentabilidade é que temos um estilo de vida mais ecológico. Costumamos comprar em grande quantidade. Não é por ser mais barato, mas porque as famílias têm aquela cultura de partilha. Então, por exemplo, a minha tia compra um saco de farinha grande e depois utiliza as próprias embalagens da farinha para distribuir às diferentes famílias que ela apoia”, pontua.
A engenheira do meio ambiente ainda afirma que o fato das pessoas não terem muito poder aquisitivo faz com que elas não tenham a possibilidade de consumir produtos industrializados, além do fato de viverem da agricultura familiar. “Elas têm um nível de vida em termos de alimentação mais saudável porque elas próprias produzem a sua comida e elas alimentam-se disso. Então isso é um ponto positivo”, destaca.
Chantre ainda destaca as iniciativas de sustentabilidade nas redes sociais. Ela cita o instagram do projeto filantrópico, EcoAngola. Com pouco mais de quatro mil seguidores, o perfil dedica-se a divulgar campanhas, dicas ecológicas e campanhas sobre o tema.
A iniciativa angolana organiza eventos, conferências e exposições, além das ações: limpezas de praia, campanha de plantação de árvores, entre outras ações que tenham como foco a preservação do meio ambiente e o bem-estar social. E ainda promove e implanta projetos vinculados à sustentabilidade, com o financiamento do setor público e privado por organizações especializadas ou algum setor de responsabilidade social da iniciativa privada.
A empreitada ainda atua na organização de formação e webinars, abordando vários tópicos relacionados à sustentabilidade, além dessas ações serem direcionadas às escolas, organizações públicas e privadas e público em geral.
Já a Yungo se define como uma plataforma digital para uma vida saudável, sustentável e consciente. Monica Scheidt Alcouce, 38, é a fundadora da iniciativa. Filha de mãe brasileira carioca e pai angolano, mora há 11 anos no país de nascimento do pai. Por conta da pandemia do Covid-19, a família viajou para Lisboa (Portugal) em março.
O projeto surgiu a partir de um sentimento de inspirar a ajudar as pessoas a serem mais conscientes em relação ao meio ambiente e a possibilidade de fazer com que elas tivessem a possibilidade de ter escolhas mais saudáveis no dia a dia. A Yungo constitui-se como um projeto vivo e em constante evolução, o seu nome é oriundo do kimbundo (língua angolana) que quer dizer “energia da terra”.
“Somos a união, a partilha e informação de tudo o que vai de encontro ao conceito de bem-estar, slow living, alimentação consciente e respeito pelo meio ambiente. Esta união transformou-nos num guia/diretório para um consumo mais consciente e para uma vida mais sustentável. A missão da Yungo é conscientizar as pessoas sobre o impacto de suas escolhas na saúde do seu corpo assim como do planeta, mostrando o que e como fazer para terem uma vida mais saudável e com menos impacto ambiental”, destaca Alcouce.
É nas redes sociais que as ações ganham força. Eles têm a estratégia de impulsionar iniciativas e empresas angolanas que são alinhadas ao propósito da organização. Além da sua página no Instagram, fornecer um conteúdo informativo para os interessados nas questões ambientais e preocupados com o planeta, além de inspirar mudanças de hábitos e proporcionar melhores escolhas.
“E como gostamos de dar vida a todo conteúdo partilhado nas redes sociais e website, realizamos diversos eventos como workshops, eventos com alma e sustentabilidade (yungo experience), palestras sobre estilo de vida consciente, participação na campanha plástico free july entre outras iniciativas que, conforme dito no início da leitura, vão se criando e transformando com a própria energia que emanamos. E as parcerias com influenciadores angolanos faz nossa voz ecoar mais longe”, finaliza.
*O termo faz referência aos indivíduos que residem na mesma habitação.
**A palavra Zunga, segundo a pesquisadora Indira Lazarine Catoto Monteiro, em sua dissertação de mestrado: Modos de vida e de trabalho das mulheres que zungam em Luanda, quer dizer “girar”.
Nos próximos dias, não deixe de acompanhar a primeira série de reportagens do Negrê, o especial África Sustentável!
*Com colaboração de Yasmin Morais.
Ilustração de capa: Suellem Cosme.
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É Jornalista e escritor. Morador da periferia. Autor de “Os deuses estão embriagados de uísque falsificado” (Sirva-se edições alternativas – Oxenti Records, 2019). Vencedor dos prêmios: IV Concurso de Poesias Jorge de Lima, Secult – AL – 2018, Arte como Respiro, Itaú Cultural – 2020. Editor do site: O que os Olhos Não Veem. Estudante de Letras – Português, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Acredita no jornalismo independente, pautado pela diversidade e pelos direitos humanos.