Escrita Negra

Já parou pra pensar o quanto nossa vida é correria?

Ela começa com uma correria até o hospital/sala de parto. Depois a gente mal começa a andar e já aprende a correr, e corre pra brincar de correr. É pega-pega, quem chegar por último é a mulher do padre, esconde-esconde, onde rola até um “salve todos” e aquele amigo lento ia ter que contar de novo.

Crescemos mais um pouco e começa a correria pra conseguir vaga na escola. Depois corre atrás do ônibus pra não chegar atrasado na escola. Corre pra entregar tarefa, trabalho… E depois é a mesma correria pra faculdade, onde rola até uma correria quase infinita pra terminar, se formar e sair de lá. Ou correria do trabalho. Corre pra não chegar atrasado e não estressar o patrão, corre pra bater a meta ou entregar as demandas… Também tem a corrida pra pagar os boletos atrasados, correria pra não ficar sem água, luz, gás, internet… Quando se tem filho, essa correria dobra: é leite, frauda, roupa, brinquedo, festa de aniversário…

E ao mesmo tempo, a gente corre das atrocidades que esse mundo nos oferece. Os medos diários, os traumas, os estresses, os problemas, das várias doenças, afinal na correria, não dá nem tempo cuidar da saúde… a gente vive fugindo das crise de ansiedade, dos transtornos de pânico, e ainda das tristezas por ter corrido tanto e não ter alcançado algo que queríamos muito

Quando sobra tempo, a gente corre pra uma uma roda de amigos, uma praça ou num bar, pede o garçom correr pra trazer a cerveja mais gelada ou o vinho… Ou corre pra uma festa ou um baile onde possamos dançar incansavelmente, pular, gritar, extravasar, esquecer o estresse que a semana corrida teve… A correria pra esses lugares de descanso ou de fuga é certa. Mas imagina você chegar num lugar desse e ter que correr de quem deveria te proteger? Correr de quem deveria cuidar de você, de quem é pago pra pra servir a você? Correr de quem deveria promover a justiça e não a injustiça; correr de quem recebe a farda e a missão de cuidar, mas apoiado pelo Estado, faz o contrário…

Imagina ter que correr pre se salvar de alguém que é pago pra te salvar, sendo que, você já corre a vida inteira pra se salvar de tanta coisa… Ter que correr pra fugir, mais uma vez, da violência que passamos a vida toda tentando fugir… parece até algo predestinado, a correria com um DESTINO certo

Quando posso ou consigo, paro e penso: que todos aqueles que correrem entre os becos em Paraisópoles possa ter encontrado o tão falado, comentado e sonhado paraíso. Assim como Juan ferreira do Vicente Pinzón, porque só assim, depois do fim, enfim a chance de descanso… O que parece é que uma hora ou outra, essa correria mata de uma forma ou de outra. Na tentativa, na doença, na bala, no cansaço…

Se retira a vida corrida dos crias, das Marias, dos Silvas, pais e mães de família. Infelizmente, na vida real, onde a estrela não brilha, não tem salve todos.

Foto de capa: Beatriz Souza (@bia.souzzz). Moradora do Quintino Cunha, em Fortaleza (CE). Fotógrafa de rua, retratando os cotidianos da comunidade onde vive e de comunidades próximas.

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