Escrita Negra

Voz das Vielas

Nunca comeu feijão com gorgulho, nunca precisou tomar água pra enganar o buxo.
Quando a fome apertava, nunca vi vocês na quebrada.
Falam e fala, falam dos de farda, mas se brincar vocês são piores que os de terno e gravata. 

Pagam de playboy de quebrada.
Na moral, cês são uma piada.
Duvido sobreviver a rotina diária.
Nunca nem pegaram numa inchada, mas se orgulham de pousar com uma arma.

Muitos dos meninos dá minha quebrada queiram chegar a pegar numa inchada antes de ter que segurar uma arma.

Os meninos são ensinados a subir o morro armados, pra não ter que descer na mala do camburão ou ser encontrado na vala.
Cê saca? Saca que isso é a realidade diária.
Que não é pra servir de piada ou sustentar teu hype de quebrada.

Nunca ouviu​ o choro dá tia, o grito dá cria, a mãe na agonia.
O filho pensando em ser grande, virar​ traficante para salvar a família.
3 gramas​ do verde rende o pão do dia, 1k do branco sustenta seus irmãos no corre do dia a dia.

O pipoco, a correria, o medo anunciando mais um dia. O sangue escorrendo a ladeira, mais um aviãozinho caiu na ribanceira.

E amanhã já vai ter outro subindo e descendo o morro, porque​ os voos não param.
A vida não​ para, é a infância interrompida pelo barulho das balas​.
E a quem ache que os meninos querem ser jogadores ou doutores, alguns só querem chegar até aos seus 14.

E vocês pagando de traficante, de menor do crime.
No primeiro enquadro ficam se lamentando: “ué por que tô levando?”
Querem ser do crime, mas não tem pique.
Querem ser do crime mas só tem chilique, não aguentam a barra, a faca, os tiros, o sol nascendo quadrado, o irmão sendo morto do teu lado.
Aqui não é estação fria, é erva, verão, sem medo de andar no camburão.
É cria ensinando pra cria, estuda pra virar o jogo jão.
Ninguém quer se perder, ninguém quer morrer, mas as necessidades faz a gente escolher.
Na parte da cidade onde meninos aprendem a se vestir de coragem, o único branco que fica de verdade, são as nuvens do céu.
O resto é só de passagem, principalmente na época da politicagem.
Os Playboy que querem ser do morro.
São os mesmos que votaram no Bozo.
Decretam guerra ao meu povo, e depois fingem ser cordeiro engravatados de lobo.

*Este poema colaborativo foi escrito por Bárbara Maia.
Sou estudante de mineração do IFRN-CNAT. Tenho 22 anos, moro na cidade de Extremoz (RN) e escrevo desde 2016. Escrever é minha forma de expressar o que sinto e vejo. Cria da escola pública vi de perto as necessidades e fragilidade da educação, porém, escrevo e luto para melhorar o ensino e fazer com que outros jovens possam continuar sonhando para alcançar seus sonhos.

Foto de capa: João Ritter/Unsplash.

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