Após 130 anos, a França devolveu ao Benim, em cerimônia solene realizada no último dia 9 de novembro, 26 obras de arte saqueadas ainda no período em que o país europeu dominou colonialmente o país africano. As peças fazem parte do chamado “Tesouro Real de Abomey” e reúnem tronos reais, altares cerimoniais e estátuas sagradas saqueadas do Reino do Daomé, no século XIX.
Em 2016, o presidente do Benim, Patrice Talon, exigiu a restituição dos itens, mas o país europeu recusou, alertando para sua legislação que impedia a retirada dessas obras de artes de museus nacionais. O presidente francês, Emmanuel Macron, no entanto, encomendou um estudo, encabeçado pelo senegalês Felwine Sarr e pela francesa Bénédicte Savoy, que recomendava a devolução das obras de arte, através de mudança na lei francesa. A alteração foi acatada por Macron.
Em 2018, o presidente francês assegurou a restituição dos artefatos. A lei foi aprovada no fim de 2020 e tornou as devoluções possíveis, categorizando as obras como resultado de pilhagem na França. Então, as 26 obras puderam voltar para seu país e sua cultura de origem.
O relatório
O estudo aponta, ainda, que aproximadamente 90% da arte africana está fora do continente natal. Somente a França retém 90 mil peças. Destas, de acordo com o jornal francês Libération, há joias, máscaras, estátuas e diversos outros tipos de objetos ritualísticos e sagrados, que chegaram ao país europeu por meio de saques, negociatas escusas e até mesmo peças entregues formalmente às autoridades coloniais.
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(legenda: imagem do Deus Gu, saqueada do Benim no período colonial)
“Como você espera que meu entusiasmo seja total quando obras como o Deus Gu ou a tábua de adivinhação do Fâ permaneçam aqui França, para o desalento de seus herdeiros?”, questionou o presidente do Benim, Partrice Talon, na cerimônia do dia 9 de novembro, em Paris.
O presidente francês prometeu continuar o trabalho de catalogação e devolução das obras saqueadas da África e destacou que a restituição das 26 peças “é apenas uma etapa”. “É nossa alma que regressa, são 26 obras da realeza, muito mais que objetos. Elas fazem parte de nosso patrimônio genético profundo”, disse Talon.
Devido às novas condições de clima, as obras devem ser submetidas, por um período de dois meses, a uma “aclimatação” para se habituar às novas novas condições, antes de serem expostas na sede da presidência do Benim.
Discussão
Em uma convenção do ano de 1970, a Unesco já pregava a defesa da devolução de propriedade cultural retirada de qualquer país, apesar de não se referir diretamente a casos históricos, como os da era colonial. Desde então, os museus europeus, com receio de serem obrigados a se desfazerem de boa parte de seu acervo artístico conquistado através de saques, pressionaram autoridades, que têm sido vagarosas em firmar a convenção.
Das grandes potências ocidentais europeias, a França assinou em 1997, o Reino Unido em 2002, a Alemanha em 2007 e a Bélgica em 2009, mas pouco se colocou em prática até hoje.
Uma preocupação de autoridades e pesquisadores também é como devolver essas peças artísticas. Para onde e para quem devem ser devolvidas? O jornal francês Libération lembra ainda que os territórios africanos foram reorganizados desde a época colonial. “Restituir uma máscara sagrada de uma etnia particular a um governo africano fará sentido?”, questiona o diário.
Na França, o assunto divide opiniões. “O que vai restar nos museus franceses?”, questiona a revista Le Point. Críticos diversos alegam que as restituições poderiam fazer com que colecionadores de arte retirassem obras do país, por receio de as terem confiscadas. Outros levantaram questões como a possibilidade de os artefatos devolvidos serem roubados, mal curados ou mal cuidados por museus inexperientes, em países de política instável.
O jornal Libération sugere que se inverta a situação. “O que diriam os franceses se, no passado, milhares de obras nos tivessem sido roubadas sem que a restituição delas não pudesse nem mesmo ser debatida?”. E continua, dizendo que quem protesta contra “este ato de justiça” são nostálgicos do período colonial.
França – África
Entre os séculos XIX e XX, a França invadiu e dominou diversos territórios africanos, que hoje são Camarões, Congo, Costa do Marfim, Mali, Senegal, Madagascar, entre outras nações. Desde 2019, a exemplo do Benim, Senegal, Costa do Marfim, Etiópia, Chade, Mali e Madagascar também apresentaram pedidos de restituição de bens à França. Em breve, Paris deve devolver à Costa do Marfim o Djidji Ayokwe, um famoso tambor do povo Ebrié.
A restituição da arte africana saqueada faz parte da “nova relação” política que o presidente francês pretende estabelecer e desenvolver com os países da África.
*Com informações de DW e Revista Raça.
Foto de capa: Imago/UIG/W. Forman.
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Jornalista pela Universidade de Fortaleza (Unifor) e mestre em Comunicação pela Universidade Federal do Ceará (UFC), na linha de pesquisa de fotografia e vídeo. Redator, roteirista e editor de podcast e peças em áudio. Profissional do marketing, trabalha com comunicação digital, comunicação política e marketing eleitoral.