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Atlantique: mais que um drama, uma crítica social

“Prometida em casamento a um homem rico, Ada fica arrasada quando seu grande amor desaparece no oceano. Até que um milagre acontece”.

Essa é a sinopse de Atlantique (2019), filme senegalês disponível no catálogo da Netflix. Num primeiro momento, a sinopse induz o telespectador a crer que se trata de um romance, mas é no decorrer da trama que o espectador é surpreendido. E o que parece ser apenas mais uma história de amor no cinema, se torna um surpreendente drama social e sobrenatural, com fortes críticas ao capitalismo.

O longa-metragem de 107 minutos conta a história de amor da jovem Ada (Mama Sané) e do operário Souleiman (Ibrahima Traoré). Ela está prestes a se casar com Issa (Amadou Mbow), um homem que mal conhece, num casamento arranjado. Issa é considerado um dos melhores partidos de Dakar, capital do Senegal, devido sua riqueza.

A jovem Ada e o operário Souleiman. Foto: Divulgação/Netflix.

Enquanto Issa é um homem rico, Souleiman é um pobre operário, que junto com outros colegas de trabalho está há três meses sem salário. Eles estão sendo enganados por um milionário da construção civil que enriquece a cada dia às custas do trabalho duro dos jovens. Poderoso, o empresário possui influências políticas e na própria polícia, deixando os operários sem saída. Sem ter a quem recorrer, os homens resolvem tentar uma arriscada travessia de barco para chegar à Europa, mas acabam não sobrevivendo.

A perda do grande amor e o desespero faz com que Ada decida continuar com o casamento arranjado com Issa, mas é na noite do casamento, que acontecimentos sobrenaturais começam a ocorrer.

Durante o casamento, o quarto de núpcias de Ada é incendiado, sem nenhum motivo aparente e sem que ninguém tenha visto o criminoso. Apenas a melhor amiga de Ada é testemunha, que jura ter visto Souleiman nos arredores da casa. A possível aparição de Souleiman inicia uma caçada da polícia.

Mas o retorno de Souleiman não é a única motivação sobrenatural do filme, que como eu disse, não é apenas uma história de amor. Antes da partida dos operários, as jovens da cidade frequentavam o bar à beira-mar em Dakar. O bar pertencente a Dior era ponto de encontro entre os casais, mas na noite da partida dos homens, solitárias, as mulheres choram pela distância dos amados e amigos.

A jovem Ada. Foto: Divulgação.

Após o incidente no casamento de Ada, algo estranho começa a acontecer com as jovens. Da noite para o dia, todas começam a adoecer, tomadas por uma febre inexplicável e tornam-se sonâmbulas. Durante a noite, um exército de mulheres anda pela cidade até a casa do empresário que não pagou os operários, obrigando-os a partir na arriscada travessia que lhes tirou a vida. Elas estão possuídas pelo espírito dos operários que cobram sua dívida ao empregador bandido.

Presentes nos corpos das mulheres, os homens buscam reparação, não apenas pelo tempo de serviço sem reconhecimento financeiro pelo patrão, mas também reparação pela perda de suas vidas.

A partir da inserção do sobrenatural, toda a narrativa passa a tratar da busca por reparação social pelos espíritos dos operários, enquanto Ada está sob o olhar da polícia, que acredita que Souleiman está vivo e apenas ela sabe de seu paradeiro. Não se trata de um filme de terror, apesar do sobrenatural e nem mesmo apenas romance. A diretora consegue trazer um filme único e sensível com crítica ao capitalismo e o poder do dinheiro sobre as pessoas.

Atlantique é o primeiro longa da diretora francesa de origem senegalesa Mati Diop, que se tornou a primeira mulher negra a concorrer e ganhar nas categorias principais em Cannes. O filme ganhou o Grand Prix no Festival de Cannes em 2019 e foi o candidato de Senegal a uma indicação ao Oscar de melhor filme internacional.

Confira o trailer:

Aqui não vale contar o final, mas vale a pena assistir e se surpreender com um final incrível e sensível dirigido por Mati Diop.

Ficha técnica

Atlantique
País de origem: Bélgica, França e Senegal
Ano: 2019 
Duração: 107 min
Gênero: Drama/Romance
Direção: Mati Diop
Produção: Judith Lou Lévy e Eve Robin
Roteiro: Mati Diop e Olivier Demange
Elenco: Mame Bineta Sane, Amadou Mbow, Ibrahima Traoré, Nicole Sougou, Aminata Kane, Mariama Gassama, Coumba Dieng, Ibrahima Mbaye, Diankou Sembene, Babacar Sylla e Abdou Balde 
Disponível: Netflix

Foto de capa: Divulgação.

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