A informação que intitula essa coluna foi retirada do Anuário Brasileiro de Segurança pública de 2022. O anuário consiste em pesquisas periódicas sobre os diversos temas que cercam a segurança pública e que são elaboradas e organizadas pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Talvez alguém esteja pensando na frase que muito foi usada para denunciar o genocídio do povo negro: “A cada 23 minutos, um jovem negro é assassinado no Brasil”.
Ainda este ano, a frase voltou à tona na fala da incrível Sueli Carneiro em entrevista na série “Que país é esse?”, realizado pela TV Senado. A fala foi reproduzida quando lhe foi perguntado pela entrevistadora Renata de Paula. “Sueli, o Abdias acusou o genocídio da juventude negra. E você disse no podcast do Mano Brown que: “Se você fosse homem, você já estava morto, o quê que ainda tá acontecendo?”
Assista em 19:12:
Antes de voltar para a pergunta da Renata, na qual contém uma afirmação contundente da Sueli Carneiro, eu queria dizer que, infelizmente, a pesquisa que aponta a morte de um jovem negro a cada 23 minutos já tem 10 anos e não acompanhou a máquina de moer gente preta que é o Estado brasileiro.
Os dados dessa pesquisa são do Mapa da Violência de 2014, intitulada “Juventude viva: os jovens do Brasil” [veja aqui]. Na tabela 6.2.7 da página 164 deste documento, é possível observar que no ano de 2012 [ano da pesquisa, pois a publicação aconteceu em 2014], 23.160 jovens negros foram assassinados no Brasil. Ao dividir o número pelos 365 dias do ano, temos a terrível marca de 63 jovens negros mortos por dia, 23 a cada minuto.
LEIA TAMBÉM: O Bolsonarismo é um movimento essencialmente masculino e colonial
Inacreditável
É absurdo que ainda não tenhamos novas pesquisas trazendo dados mais atualizados sobre o assassinato da juventude negra no Brasil! Para muitos, isso demonstra que somos “só dados” mesmo e, para outros, a política de segurança pública aplicada no Brasil é eficaz. E o pior é que ela é, pois segundo a tabela 2 da página 23 do Anuário Brasileiro de Segurança pública de 2022 [veja aqui], 47.503 pessoas negras foram mortas intencionalmente no Brasil (soma das vítimas de homicídio doloso, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e mortes decorrentes de intervenções policiais em serviço e fora), sendo 77,9% pessoas negras.
Ou seja, em 2020 [ano da pesquisa, sendo que a publicação foi em 2022], 37.004 pessoas negras foram mortas intencionalmente e de forma violenta em 1 ano, o que equivale a 101 pessoas negras mortas em um dia, 15 a cada minuto.
Voltando para a afirmação de Sueli Carneiro sobre a morte de pessoas pretas no podcast do Brown [citada pela entrevistadora Renata na série “Que país é esse?”], destaco a parte: “Se eu fosse homem, já estava morto”. Avalio que quando a intelectual negra feminista expõe a condição do gênero masculino enquanto violentada, é marcada uma posição na qual aponta que o patriarcado é essencialmente branco e colonial. Às vezes, essa afirmação parece óbvio; mas não é bem assim, ainda se reproduz o discurso de que os homens negros são privilegiados nessa estrutura.
Nesta reflexão, não vou entrar no jogo sobre o que vem primeiro (raça ou gênero), porque às vezes não viemos, infelizmente não dá tempo nem de ser. Também não vou entrar na discussão de que quem morre mais é a mulher negra, o homem negro ou as pessoas trans; porque não se trata de disputar a morte ou a dor, e sim de como podemos promover a vida, o cuidado aos nossos, como criar novas estratégias de sobrevivência e de avanços sociais. Ao saber que, para muitos de nós, só o fato de estarmos vivos já é o máximo que se pode fazer, e eu sei, isso já é muito frente a essa estrutura e política racista de morte.
Até quando esse número vai continuar baixando? Eu realmente não sei, sinto dor ao escrever esse texto e sentir que levo a morte no bolso, mas também forte sabendo que há dois anos vivi a cada 15 minutos da minha vida e esse ano continuo.
Foto de capa: Victor Chijioke/Pexels.
LEIA TAMBÉM: Você é preto/a/e de verdade?
Apoie a mídia negra nordestina: Financie o Negrê aqui!
Formado em Psicologia e Especialista em Saúde Mental e Atenção Básica pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP). É pós-graduado na especialização em Direito Humanos, Saúde e Racismos pela Fiocruz. Homem cis preto de Salvador (BA) que gosta de compor histórias e sentimentos. Já atuou profissionalmente na política de assistência social junto à população em situação de rua, na área da saúde mental, clínica psicológica e garantia dos direitos da criança e adolescente em contexto de vulnerabilidade. Escreve e se interessa por temas relacionados à saúde mental da população negra, masculinidades negras, relações não-monogâmicas, relações raciais e política.