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Sobre não gostar de novembros, sobre se sentir sugada

Desde criança, o novembro nunca foi um mês interessante pra mim. Em época de colégio, chegavam as revisões e provas e com elas, o desespero e a tensão. Muito porque eu sempre tinha em mente que não podia falhar. Eu tinha em mente que tinha que ser inteligente e sempre tirava notas boas, até nas matérias mais difíceis pra mim. Porque já bastava ser negra. Eu não podia errar em dobro, sendo burra.

Quando chegou o momento da vida universitária, situações semelhantes. Fim de semestre, trabalhos extensos e provas pra estudar. Porque eu não podia arriscar ficar de final, tirar notas baixas e deixar de entregar trabalhos. Eu não podia errar! Não podia… tudo tinha que terminar com resultados ótimos e muito sucesso. Porque já bastava ser negra. Eu não podia errar em dobro, sendo burra.

Então, os novembros nunca foram meses confortáveis pra mim. Eu sempre me sentia sugada, engolida, sobrecarregada. Por questões de autocobrança e cobranças dos outros. Eu não podia errar. E ainda sinto hoje o peso deste mês, deste quase fim de ano. Da sobrecarga. Do sentimento de se sentir sugada. E saber que isso, especificamente neste ano, não foi ocasionado por mim. Apesar deu ainda ter minha autocobrança, muitas vezes, nada saudável pra mim mesma. Mas eu sei dos meus limites! E sei quando preciso respeitar meu corpo e meu psicológico. Eu fui aprendendo isso com o tempo e com as experiências pessoais.

O problema é as pessoas que não querem entender. Elas querem alcançar o objetivo delas, que é pagar de antirracista exclusivamente no Dia da Consciência Negra. Eu fico observando a atitude de alguns que, talvez, lembrem do meu trabalho, dos meus projetos, da minha existência negra somente nesta época do ano. Momento exaustivo pra nós, negras e negros. Estamos exaustos! EXAUSTOS! Vocês, brancos, não percebem que estão nos sobrecarregando? Vocês não percebem o mínimo e o simples de que: é possível falar de Consciência Negra em todos os meses do ano inteiro? Vocês não percebem que estão nos sugando?

Entre cobranças e convites de última hora, fiquei me questionando se as pessoas não pararam pra pensar que eu tenho uma vida pessoal, que preciso parar pra cozinhar e cuidar melhor da minha alimentação, que preciso fazer atividade física. Que preciso, inclusive, trabalhar! Pois é, tenho demandas profissionais e acadêmicas como todo mundo. Mas, pra muita gente branca, nessa época do ano, parece que nós, negras e negros, estamos aqui para servir! Parece que eles pensam que todo negro e negra é pesquisador do universo Questões Raciais. Eu me sinto sobrecarregada e não valorizada. Como talvez convites outros me fizeram sentir.

Em desespero psicológico, conversei com minha terapeuta. A mesma relatou ter recebido mensagens desde às 8 horas da manhã, tal como estava sendo meu caso. Em gesto de cuidado, ela me sugeriu dizer que não dava mais pra aceitar convites por motivos de agenda lotada. Infelizmente, tive que começar a dizer não. Tendo em vista que senti meu corpo sem forças e com mais dificuldades de raciocinar para atender mais demandas que estavam surgindo.

É difícil! É difícil as pessoas entenderem que nós temos uma vida para além da luta antirracista. Que não somos só dor e exploração. Que não somos só feridas coloniais. E que existem dias que, simplesmente, não queremos falar sobre racismo e Consciência Negra. Pois nós já temos a nossa… e temos o ano inteiro! Temos porque precisamos resistir e sobreviver. Os nossos ancestrais merecem isso.

Pra mim, há certos discursos que não me convencem nesse dia e nessa época do ano. Definitivamente não me convencem. Principalmente porque um dia passa bem rápido e as pessoas (brancas) vão continuar com seus privilégios e sendo beneficiados por uma estrutura racista. E quem disse que os brancos vão realmente pensar em ter uma Consciência Negra pra mudar algo em outros dias do ano? Sei que o ano está difícil para todos e por isso, minha fé nisso é bem pouca. Sempre vou querer mudanças e tentar fazer com que elas aconteçam, mas eu sou só um indivíduo. Eu sou negra, forte e também frágil. Eu preciso de descanso e ser respeitada como todo mundo quer ser. Eu não sou uma máquina que não pode ser desligada.

Eu não sou escrava de ninguém! Parem de me sobrecarregar. Parem de achar que eu posso estar disponível a cada segundo das 24 horas de um dia. Respeitar a mulher negra e saber que existem limites é o mínimo de reparação histórica que deveria ser feita por cada um de vocês, brancos. Mas, infelizmente, eu me senti essa semana tal qual minhas ancestrais se sentiam… Espero imensamente poder descansar no fim de semana, pois a minha jornada é muita longa. Certamente, meus ancestrais não querem meu fim agora…

Foto de capa: Cottonbro/Pexels.

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