O DFB Festival, antigo Dragão Fashion Brasil, realizou sua edição de 2023 entre os dias 31 de maio e 3 de junho, em Fortaleza (CE). A programação reuniu desfiles com estilistas locais e de fora do Estado, além de unir arte, cultura, gastronomia, música, economia criativa e liberdade para vestir o que quiser. Tudo isso em um ambiente só. E a equipe do Negrê realizou cobertura no evento para destacar e potencializar a presença negra nos diversos espaços.
Em sua 24ª edição, trazendo neste ano o tema “Em Movimento”, o DFB Festival veio com a ideia de potencializar a reinvenção, evolução e impacto social e ambiental do projeto na agenda cultural de Fortaleza. Já que foram adotadas práticas sustentáveis, em parceria com a EcoEnel, em relação a coleta de resíduos gerados durante a programação. Estima-se que mais de 40.000 pessoas estiveram no evento.
Liana D’Afrika, Levi Santos, Bruno Olly, Sulamita Ferr e David Lee são os nomes que o Negrê destaca. Estilistas que, junto de seus trabalhos, trouxeram a presença negra e muita representatividade para o público que assistiu aos desfiles nas passarelas do DFB Festival 2023.
Conheça os estilistas negros que estiveram no DFB Festival 2023:
Liana D’Afrika
A estilista carioca Liana Santos, fundadora da marca autoral e de caráter ancestral Liana D’Afrika, trouxe a coleção “Utopias Negras Ancestrais“ na passarela do DFB Festival 2023, no primeiro dia, 31 de maio. Trabalho este que partiu de um sonho e um desejo de entender as concretizações da vida adulta e madura, segundo ela. Em seu processo criativo, ela foi permeando até parar na ideia do colo materno, ao lembrar de sua mãe já falecida, Ana Maria Conceição da Silva. Além da forte conexão que as duas tinham/têm, mesmo com a separação física.
“Se eu não tivesse um diferencial, talvez eu não tivesse na passarela do Dragão. A gente fala de África, mas a gente fala também de moda de alfaiataria, a gente fala de sustentabilidade, fala de criação…”. Foi o que nos apontou Liana D’Afrika sobre sua participação no DFB. A coleção da estilista trouxe como proposta olhar para a nossa herança ancestral. “A gente não pode ser esse brasileiro ocidental. Não dá mais! A gente precisa ter essa ruptura inclusive com a moda que é um instrumento político. A moda causa posicionamento!”.
“Eu não poderia trair as minhas origens e o meu propósito trazendo qualquer outra coisa que não fosse falar de África. A coleção ela tinha muita força de África, mas ela tinha também um quê maternal ancestral de mãe, né?”. É o que declara Liana D’Afrika sobre seu trabalho na passarela do DFB Festival.
Levi Santos
Com o trabalho “Memórias de Alvenaria” no desfile da quinta-feira, 1º de junho, o estilista cearense Levi Santos, trouxe a proposta de contar uma narrativa de lugar de pertencimento. Conforme nos conta, sua coleção partiu de memórias suas enquanto estudante do ensino médio no curso técnico em Guia de turismo. “A partir disso, eu peguei signos e simbologias da arquitetura fortalezense para montar a coleção”. O processo criativo durou cerca de três meses e a produção durou um mês.
Levi Santos explora a moda autoral e o slow fashion. “Acredito que a moda autoral nos dar a liberdade de criar sem necessariamente ficar preso à tendência. E o slow fashion me dá a possibilidade de participar de todo o processo produtivo e garantir que o produto final saia da forma mais limpa, duradoura e consistente possível”, disse.
Sobre a moda periférica, Levi Santos destaca que as passarelas internacionais e desfiles de marcas grandes pegam referências tiradas da rua, do streetwear, da favela. “Eu acho importante ocupar esse espaço nesses eventos de moda, sabe? E não as grandes marcas falarem pela vivência do povo, né… eu acho que o povo tem que estar lá e se mostrar. E ser visto e ser falado! A ocupação de ambientes é de extrema importância para que as pessoas não achem que quem mora na periferia é bagunça”.
Bruno Olly
O piauiense Bruno Olly apresentou sua coleção inédita chamada “Perifa Feline” na sexta-feira, 2 de junho. A cultura da periferia foi exaltada e a moda questionada. “Eu trago a discussão do porquê o homem tem que se vestir daquele jeito. Porque nós, enquanto negros, temos que ser reprimidos quando podemos estar em um local de grandeza”, revelou o estilista.
Homens de saia, mulheres sem blusa, pretos no topo. Nas passarelas, peças contemporâneas com forte influência de streetwear – tendência que sempre esteve presente na cultura do Hip Hop e nos guetos urbanos. Bruno Olly fechou o desfile com chave de ouro, literalmente. A forte presença do último look na passarela causou impacto, o modelo santomense Mauro Ferreira possuía correntes de ouro e usava um enorme sobretudo puffer vermelho que lhe caiu como um manto, ressaltando a realeza de sua pele preta.
A trilha sonora foi destaque do começo ao fim. “Rap do Silva” do Mc Bob Rum e “Respeito é lei” do rapper Sabotage participaram da playlist. Destaque também para o fim, quando as luzes apagaram e o prólogo do clássico da música “Capítulo 4 versículo 3” do grupo Racionais Mc’s preencheu o papel do lugar político que a moda alcança. A letra mostra estatísticas da violência policial contra o povo negro e periférico.
“Nos meus projetos eu sempre trago as minhas vivências, o racismo e a homofobia sempre estiveram presentes. Vai ser uma briga constante nas passarelas pra mostrar pras pessoas que nós também temos lugar”. É o que disse o estilista Bruno Olly.
Sula Ferr
A estilista carioca Sulamita Ferr assinou a Coleção “Energia“, trabalho realizado em parceria com a matéria-prima da Enel Ceará e Niterói (RJ). O desfile aconteceu no último dia, 3 de junho. Sula Ferr conta que o convite surgiu em agosto do ano passado e que ficou muito feliz pois já havia feito uma coleção sustentável. Essa foi a sua primeira vez em Fortaleza e contou com o trabalho de Daiane Melo na produção das peças bem como da participação do projeto Enel Compartilha Empreendedorismo.
Sobre o processo criativo, a estilista Sula pontua que precisou ser bem cuidadoso. “Primeiro, limpamos as peças. Se for peça pronta, desmancho e entendo a quantidade que posso trabalhar o design e a modelagem. Demora-se em torno de três dias por peça”, diz em entrevista para o Negrê. “Eu destaco que é preciso pensar em recortes em cada modelo e funciona quase como um quebra-cabeça e tudo é com muito detalhe porque o upcycling é isso”. Essa foi a primeira vez que Sula Ferr estreou seu trabalho como designer em um desfile.
Sula Ferr ainda pontua sobre as práticas sustentáveis serem uma forma de revolucionar o mundo. “A sustentabilidade ela está lincada com as 17 Ods que são os objetivos da ONU para tornar o mundo um pouco melhor, então pode revolucionar sim. Em relação à moda, essa revolução pode ser iniciada desde que construamos caminhos possíveis a isso, como processos de produção que possuam economia criativa e promovam a moda circular“, declara.
David Lee
Um dos desfiles mais aguardados da última noite, 3 de junho, David Lee apresentou uma celebração, a seleção do que mais marcou sua jornada de 10 anos de carreira. Na passarela, tudo era muito Lee – o crochê, as estampas, as cores, a atmosfera ensolarada. Da leveza das peças ao charme dos acessórios. Tudo representava a essência do estilista que já se constrói há uma década.
O extra foram as collabs de intervenções pintadas em algumas peças, feitas por artistas visuais, como Terroristas Del Amor, Laura Holanda, Zé Victor e Alice Dote e a apresentação do grupo Berlim Tropical.
Recentemente, o estilista cearense fez sua estreia na São Paulo Fashion Week (SPFW) 2023, levando a cultura das feiras nordestinas com a coleção “Parangaba”, em referência à feirinha que acontece no bairro de Fortaleza, sua cidade. “Não tem como me desassociar. É algo que tá desde o princípio do meu trabalho, está inserido em mim e quando tratado dessa forma moderna e mais sofisticada pode ser visto com outro olhar”, revelou David Lee.
“O Brasil tem um complexo de vira-lata e acaba respaldando nas próprias regiões. Tem gente que acha que o Ceará é só artesanato e sim, também é isso e outras coisas. Acaba que a gente não tem orgulho das nossas raízes e do que a gente é”, completou.
*Esse conteúdo foi produzido por Dhara Amorim, Larissa Carvalho e Sávio Gomes
Fotos de capa: Roberta Braga/DFB e Igor de Melo.
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Jornalista profissional (nº 4270/CE) preocupada com questões raciais, graduada pela Universidade de Fortaleza (Unifor). É Gestora de mídia e pessoas; Fundadora, Diretora Executiva (CEO) e Editora-chefe do Negrê, o primeiro portal de mídia negra nordestina do Brasil. É autora do livro-reportagem “Mutuê: relatos e vivências de racismo em Fortaleza” (2021). Em 2021, foi Coordenadora de Jornalismo da TV Unifor. Em 2022, foi indicada ao 16º Troféu Mulher Imprensa na categoria “Jornalista revelação – início de carreira”. Em 2023, foi indicada ao 17º Troféu Mulher Imprensa na categoria “Região Nordeste” e finalista no Prêmio + Admirados Jornalistas Negros e Negras da Imprensa Brasileira em 2022 e 2023. Soma experiências internacionais na África do Sul, Angola, Argentina e Estados Unidos.