Quando ouvimos falar em privilégio masculino, é comum colocar todos os homens no mesmo pacote. Desta forma, fica parecendo que a condição de ser homem garante automaticamente uma condição de poder e humanidade. Será que todos os homens, de fato, exercem esse poder?
Há muitos anos, o povo negro tem mostrado a necessidade de racializar as discussões em torno das políticas públicas, questões sociais, econômicas, ambientais e políticas. Quando se trata de qualquer análise da sociedade, é necessário apontar de qual grupo racial está sendo tratado, compreendendo a sua pluralidade e as interseccionalidades.
No Brasil, não basta dizer que vivemos em um país violento; por exemplo, precisamos pensar, o Brasil é violento para quem? A partir daí, podemos apontar de forma racializada que são homens negros e mulheres negras, indígenas, quilombolas, povos originários e ribeirinhos desse país que são mais violentados(as) e mortos(as). Se esse apontamento não for feito, acabamos por invisibilizar o racismo enquanto estrutura fundamental que explica as violências e desigualdades da sociedade.
Neste sentido, a racialização precisa ser aplicada também quando falamos sobre os privilégios masculinos. De que homem estamos falando quando pensamos em privilégio? O intelectual negro Frantz Fanon (1925-1961) traz, em seu livro “Pele Negra, Máscaras Brancas” (1952), a ideia de que “… o negro não é homem”. Isso nos traz a compreensão de que antes de sermos homens, somos negros e, por isso, despidos da humanidade e privilégios do homem branco cis-hétero e cristão.
Quando paramos para analisar onde estão os homens negros na sociedade, esbarramos nas valas, nas malas dos carros de polícia, no cárcere, nas ruas, entre as mãos e os joelhos de agentes de segurança e nas ruas. Não há privilégios para o homem negro, apenas tentativas frustradas de exercer um poder masculino branco, o qual nunca teremos.
Segundo dados do Mapa da Violência, publicado em 2014, a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no Brasil, quando pensamos nos número de suicídios entre os jovens, observamos que adolescentes (10 a 19 anos) negros apresentaram um risco maior (67%) de suicídio do que jovens brancos em 2016, segundo a cartilha Óbitos por Suicídio entre Adolescentes e Jovens Negros (Construída pelo Ministério da Saúde em conjunto com a Universidade Federal de Brasília – UNB e lançada em 2018). O Anuário Brasileiro de Segurança Pública também aponta que a cada três detentos no Brasil, dois são negros e negras, e a população prisional é composta majoritariamente por homens.
Devido ao padrão de homem branco colonizador que aprendemos a seguir, construímos uma masculinidade a partir de práticas de violência, dominação, competitividade e virilidade física. Essas práticas apreendidas por nós homens negros por meio das instituições de ensino (Escola, religião, justiça, família e mídia), violentam nosso corpo e o da nossa comunidade.
Segundo Henrique Restier, no período da colonização era comum ocorrer a introdução fálica dos homens brancos colonizadores nas mulheres (negras e indígenas) após a conquista de território. Com esse ato, esses homens demonstravam o poder da virilidade masculina, a objetificação da mulher e a incapacidade dos homens da comunidade conquistada em proteger as mulheres.
A partir dessa lógica de poder e virilidade da masculinidade hegemônica, o patriarcado se organiza para produzir violência para homens negros e mulheres negras. De certa forma, nós reproduzimos essa lógica que nos foi introjetada. E a partir de um sentimento de pseudovirilidade e privilégio, continuamos por produzir violência a nós, nossas companheiras, nossos companheiros, nosses companheires e a nossa comunidade.
Não podemos esquecer que o privilégio se dá na estrutura social, o que não acontece ao homens negros! Apesar de haver algumas vantagens dentro de alguns contextos, e essa vantagem nada tem relação com a produção de violências, pois ser agressor não é vantagem, muito menos privilégio.
Obs: Esse texto foi adaptado de um outro texto escrito de minha autoria publicado na página do Instagram @espaco.integral em novembro de 2020.
Referências
Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020 – https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2020/10/anuario-14-2020-v1-interativo.pdf
FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: Ed. UFBA, 2008.
Mapa da violência 2014 os jovens no Brasil – https://assets-compromissoeatitude-ipg.sfo2.digitaloceanspaces.com/2014/07/Mapa-Violencia-2014_JovensBrasil.pdf
Óbitos por suicídio entre adolescentes e jovens negros 2012 a 2016 -https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/obitos_suicidio_adolescentes_negros_2012_2016.pdf
RESTIER, Henrique; SOUZA, Rolf Malungo de (orgs.). Diálogos contemporâneos sobre homens negros e masculinidades. São Paulo: Editora Ciclo Contínuo, 2019.
Foto de capa: Kindel Media/Pexels.
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Formado em Psicologia e Especialista em Saúde Mental e Atenção Básica pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP). É pós-graduado na especialização em Direito Humanos, Saúde e Racismos pela Fiocruz. Homem cis preto de Salvador (BA) que gosta de compor histórias e sentimentos. Já atuou profissionalmente na política de assistência social junto à população em situação de rua, na área da saúde mental, clínica psicológica e garantia dos direitos da criança e adolescente em contexto de vulnerabilidade. Escreve e se interessa por temas relacionados à saúde mental da população negra, masculinidades negras, relações não-monogâmicas, relações raciais e política.