Artigos Rio Grande do Norte

Potências culturais nas vozes dos que não se calam

A cultura periférica sempre esteve nas trincheiras das lutas da juventude em prol de melhorias para as comunidades onde seus agentes estão inseridos. Essa luta só tem se intensificado, principalmente no atual contexto sócio-político, cuja representação da União só tem criado e desenvolvido políticas que minam cada vez mais os poucos recursos reservados, por exemplo, à população da periferia.

Apesar dos obstáculos, suas manifestações culturais resistem com todas as forças contra uma política voltada à hegemonização da elite (branca) brasileira. E nesse contexto, resistência é a palavra de ordem, pois constantemente seus moradores estão enfrentando o descanso do Poder Público e a ausência de políticas que ofereçam o mínimo para uma qualidade de vida. Na realidade local, as periferias da cidade de Natal (Rio Grande do Norte) não passam por algo diferente. 

Afinal, numa cidade onde a ausência de serviços básicos para se viver dignamente – como água, eletricidade, saneamento básico, serviços de segurança e de saúde – é uma constante, como esperar alguma atenção no que diz respeito ao fomento da cultura local fora do centro?

Felizmente, existem grupos constituídos principalmente por jovens, que mesmo com todas as limitações de infraestrutura, ausência de incentivo e apoio do poder público, se articulam para promover ações culturais em seus bairros. Essa juventude acredita que atividades relacionadas à cultura, à arte, ao esporte e ao lazer podem trazer alternativas para suas vidas, geralmente vulnerabilizadas pelo potencial risco de mortalidade, fruto do racismo e do genocídio negro e periférico. E um dos movimentos presentes na realidade da quebrada, e a manifestação de seus quatro elementos (DJ, Break, Grafith e MC) são alternativas para escapar dessa realidade cruel alimentada pela mão direita do Estado.

Como um agente cultural no movimento hip hop potiguar, percebo que nas zonas periféricas ainda não há um suporte no que diz respeito à produção cultural. Daí a importância de um olhar mais atento para a periferia, sobretudo no que diz respeito a políticas culturais que apoiem esse tipo de movimento no cotidiano da cidade. 

No campo da gestão cultural, existem diferentes modalidades, e no que diz respeito às formas de gestão utilizadas por aqueles que organizam as batalhas de MC’s. Por exemplo, é possível perceber uma lógica de gestão, às vezes participativa, outras colaborativa, de autogestão ou mesmo sob essas três dimensões.

Apesar de existirem instituições responsáveis pela gestão cultural na cidade, como a Secretaria Extraordinária de Cultura – Fundação José Augusto (FJA) – e a Secretaria Municipal de Cultura –  Fundação Capitania das Artes (FUNCARTE) –, na maioria das vezes elas não têm participação nas ações desenvolvidas na periferia, mantendo invisíveis esse segmento cultural e seus protagonistas quando o tema é sobre políticas culturais.

Em termos práticos, a ausência de participação das secretarias inviabiliza oportunidades de desenvolvimento de projetos ou editais especificamente relacionados à cultura hip hop local. À exceção de ações pontuais, geralmente relacionadas aos períodos eleitorais, cujos candidatos tentam se apropriar dessa cultura como manobra politiqueira, sem um caráter participativo da comunidade na sua elaboração.  

Pensar sobre o movimento hip hop como manifestação de diversos grupos que literalmente fazem cultura na periferia é reconhecer sua força, mas apenas isso não basta. Para que o movimento seja melhor valorizado e potencializado nas comunidades da cidade como instrumento de poder frente ao conservadorismo, é importante que nossos gestores, juntamente aos agentes que fazem do Hip Hop o que ele é pensem em políticas públicas de incentivo a projetos culturais periféricos. Esse tipo de organização, gestão e compreensão da cultura na periferia é um tema que não pode ficar à parte nas discussões voltadas à produção cultural da cidade. Seja do ponto de vista acadêmico, profissional, cultural ou humano, esse trabalho tem o poder de tornar mais visíveis esses grupos que produzem na periferia. Pois nós, que representamos a cultura Hip Hop temos muito a dizer sobre a cultura nas periferias da nossa cidade. E essas vozes não irão se calar.

Quebrada vive!

*O artigo colaborativo é de autoria de Kleyton Souza (RN).
MC, produtor cultural, articulador no movimento hip hop potiguar, graduanda em Produção Cultural pela Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN) e integrante do Coletivo Quinto Elemento.

Foto de capa: Sarah Esli.

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