Para resgatar a memória e visibilizar importantes personagens cearense negros e indígenas, a jornalista doutora em Comunicação e militante do movimento negro, Luizete Vicente, idealizou o “Siará: histórias de luta”, um jogo de cartas que traz a história de lideranças indígenas e negras cearenses. O jogo chega às escolas cearenses no final desse mês de setembro. A entrega inaugural ocorrerá em uma escola quilombola na comunidade Conceição dos Caetanos, em Tururu (CE). Além do jogo, a autora lançará o livro “Ayo: a menina que criou o mundo” (2023), que será distribuído nas escolas junto com o jogo.
Uma infância com pouca ou quase nenhuma referência ou representatividade destes personagens negros e indígenas, aliados há anos na luta do movimento negro, motivaram Luizete Vicente a pensar formas de contribuir para o resgate de um passado de apagamentos na educação de crianças e jovens cearenses. Após passar em um edital da Secretaria da Cultura do Ceará (Secult-CE), a jornalista pensou no jogo para contar essas histórias e mostrar os rostos de 10 protagonistas negros e indígenas que combateram a escravização da população negra e defenderam os territórios indígenas no enfrentamento do racismo.
“Quando a gente ia para as escolas, o pouco material que ainda existia, quando tinha material sobre a população negra, era de forma geral. Eu não falo nem da população negra do Ceará. Na verdade, do Ceará nem se fala. Há essa ausência de material, mesmo com a lei nº 10.639/03, sancionada em 2003, que é a lei que torna obrigatório o material, o estudo da cultura afro-brasileira e africana. A lei completa 20 anos e nos mostra que tem pouco material, ainda que chegue dentro desses espaços, que por exemplo é a escola”. É o que conta a jornalista.
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Público
O jogo “Siará: histórias de luta” será distribuído nas escolas públicas, tendo como prioridade escolas das comunidades indígenas e quilombolas, situadas nas periferias, segundo a autora. A distribuição vai ocorrer em outras instituições também; entre elas, os Centros Socioeducativos do Estado do Ceará. Cerca de 150 jogos serão distribuídos para as escolas. Junto com a entrega do jogo, as escolas receberão a obra “Ayo: a menina que criou o mundo”, que trata sobre o empoderamento de meninas negras.
“Esse livro discute exatamente a importância do empoderamento de meninas negras. E a partir desse livro, na produção dele, eu resolvi criar mais um outro projeto, que era de jogo. Unir o jogar e o brincar ajudam muito na formação da criança, do adolescente”, ressaltou. O “Siará: histórias de luta” é um jogo da memória, mas que foge um pouco do estilo clássico, em que se busca localizar cartas idênticas. Nesse jogo, os participantes terão elementos e símbolos de luta associados com os personagens, elementos a mais para o aprendizado. O jogo poderá ser jogado por crianças a partir de 6 (seis) anos de idade e/ou aquelas que já sejam alfabetizadas.
O jogo traz importantes personagens para a história do Ceará, alguns pouco conhecidos pelos cearenses: preta Tia Simoa, Dragão do Mar, Pajé Barbosa, Cacique Pequena e Dona Bibil, são alguns dos personagens. Luizete Vicente fala da amplitude de aplicabilidade do jogo para o ensino, podendo ser utilizado para aulas de história, geografia, cultura, ou simplesmente ser jogado entre família. Após a distribuição para as escolas, a autora revela que pretende, em outro momento, ampliar a produção e iniciar a comercialização para que o jogo alcance mais espaços.
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Pesquisa
A construção desse projeto passou por vários desafios ao longo de sua produção, Luizete conta sobre as inúmeras revisões realizadas e dificuldade em confirmar dados importantes. “Fiz diversas correções textuais, porque, eu tenho dito muito, são povos silenciados. E por serem silenciados, é difícil encontrar material. Por exemplo, a data de nascimento de alguns deles a gente não encontra. A gente percebe o quanto é estratégico o silenciamento dessas populações para que elas não tenham a possibilidade de saber da sua história”. É o que explica a jornalista.
A doutora em Comunicação, pela Universidade Federal do Ceará (UFC), conta ainda que houve dificuldades de encontrar imagens da preta Tia Simoa, que retiraram a carta do jogo e refizeram a imagem, por falta de outras imagens dela para referência. Com as liderança que estão vivas, ela conta que o trabalho foi mais fácil, pois teve o contato direto com eles e as informações necessárias.
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Acessibilidade e projetos para a infância
O jogo contará com versão inclusiva, através de Qr Code com textura em alto relevo para que pessoas com deficiência visual e deficiência auditiva sejam direcionados para uma plataforma. Espaço que dará acesso à áudiodescrição, descrição com legendas e outras adaptações para que todos possam ter acesso.
Para Luizete Vicente, é necessário elaborar materiais com pertencimento étnico e racial educativo voltado para as crianças, para auxiliar na construção dessa imagem positiva, principalmente, na primeira infância. Antes da escrita do livro “Ayo: a menina que criou o mundo” e a produção do jogo, “Siará: histórias de luta”; em 2016, Luizete em parceria com a Rebeca Bezerra, fez escreveu o filme Os Cabelos de Yami. O filme, produzido em 2018 através de um edital da Secult, retrata, de forma lúdica, sobre a história dos Cabelos de Yami (uma menina negra), por meio de contos sobre a herança ancestral dos orixás, como o cabelo, a cor da pele e outros traços negroides.
Luizete conta da experiência do filme que circulou pelas escolas públicas. “Quando a gente produziu esse material e levou para as escolas, foi uma surpresa, as pessoas tiveram boa receptividade, e principalmente crianças. É uma área, um grupo social, a primeira infância tem um fator importante na nossa formação: a construção da nossa identidade. E são essas crianças que muitas vezes não recebem material dentro da escola, que não se vêem nesses tipos de materiais, crianças negras”, finaliza.
Sobre Luizete Vicente
Mulher negra, jornalista, especialista em Gestão Estratégicas em Políticas Públicas pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), mestra e doutora em Comunicação Social pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Diretora e roteirista do filme “Os cabelos de Yami” e integrante da Comissão Nacional de Jornalistas pela Igualdade Racial (Conajira) vinculada à Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ). Desenvolve pesquisas nas áreas de mídias sociais, gênero, raça e políticas públicas.
Ilustrações de capa: Ítalo Gaspar.
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