Atualizado às 20h39 do dia 24/03/2021
Após a descoberta da variante 501Y.V2 na África do Sul – país situado no extremo Sul da África – teve um pico de casos maior que na mesma época do ano passado. O que o tornou novamente o epicentro da pandemia do Covid-19 no Continente Africano. Foram registrados 15 mil casos no dia em 11 de janeiro – mês de notificação da variante – e, atualmente, o índice de infecções pela nova variante no país é de 90% dos 1,5 milhões de casos, com mais de 52 mil mortes.
O ministro da saúde sul-africano, Zweli Mkhize, 65, divulgou no início de fevereiro a suspensão do uso da vacina Oxford/AstraZeneca, que se mostrou ineficiente na prevenção de casos moderados e graves causados pela 501Y.V2. Para além disso, a fins de conseguir vacinas o suficiente, o país pagou mais que o dobro pago por países ricos nas mesmas doses, que, atualmente, estocam doses além de seu número populacional, segundo informou o jornal The Guardian. A África contabiliza mais de 4 milhões de casos e 108 mil mortos, segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças da União Africana (África CDC).
Em comparação a outras regiões do planeta, o Continente Africano teve um início atrasado do ritmo de imunizações. Até a última semana de janeiro de 2021, somente 26 vacinas haviam sido aplicadas em toda a África Subsaariana. No mês anterior, a União Europeia (UE) divulgava previsão de 12,5 milhões de vacinas a serem recebidas até o fim de 2020 após firmar contratos com os laboratórios das vacinas Pfizer, AstraZeneca e a vacina Moderna – oferecida somente a países ricos -, segundo informações da Agência Brasil. A alta demanda de vacinas por esses países obriga nações de mercado emergente a pagar mais caro pelas mesmas doses.
A crise sanitária, moral e acima de tudo capitalista causada pela pandemia do Covid-19 evidencia valores essencialmente coloniais do sistema – e que nunca deixaram de sê-lo. A problemática moral já havia sido apontada pelo diretor geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom, 56, no início de 2021.
Tedros publicou em sua conta no Twitter: “Até que acabemos com a pandemia da Covid-19 em todos os lugares, não acabará em lugar nenhum. Enquanto conversamos, países ricos estão disponibilizando vacinas, enquanto os países menos desenvolvidos do mundo observam e esperam”. O ocidentalismo escancarado pela pandemia mostra que a crise em países pobres é positiva para que países ricos possam enraizar suas posições de poder.
Esforço coletivo
A União Africana (UA), em união com o programa Covax da OMS, garantiu 270 milhões de doses para todo o Continente Africano até o fim de 2021. No entanto, Cyril Ramaphosa, 68, membro da organização e presidente da África do Sul, alertou que as doses podem não ser suficientes para os casos da doença, que mantém um ritmo acelerado de infecções. De abril até junho, serão disponibilizadas 50 milhões de doses a serem distribuídas para as nações africanas.
Apesar disso, a problemática do acesso às vacinas vai além do aspecto econômico. Países de economia consolidada, como os Estados Unidos, o Reino Unido e o Canadá, são os maiores financiadores do programa Covax, que tem como premissa o acesso democrático às vacinas. Entretanto, esses mesmos países possuem acordos diretos com laboratórios que produzem os imunizantes, reservando vacinas para si.
O dèjavu de outras épocas
A crise não é novidade para os países africanos. Na epidemia da gripe H1N1, países africanos conseguiram vacinas meses após países imperialistas, depois do pico em 2009. Na época, a solidariedade entre países também foi um assunto reforçado.
O Continente, que também passou pelo surto do vírus Ebola de 2013 a 2016, ainda se recupera dos impactos econômicos das medidas de tratamento e restrição da epidemia na África Ocidental, de acordo com o portal DW. Durante a vigência dos casos de Ebola, parceiros internacionais cortaram investimentos com Serra Leoa – situado na região Ocidental da África – e países vizinhos e houve registro de queda de 1,5 no Produto Interno Bruto (PIB) dos países africanos afetados.
A previsão não é diferente para a pandemia da Covid-19. Em entrevista para o site DW, o economista guineense Carlos Lopes, 61, apontou consequências dramáticas para a economia de países africanos. O custo da pandemia para os países que ainda se recuperam das quedas econômicas causadas pela crise da epidemia do Ebola significam dependência da diplomacia de outros países e dos programas promovidos pela OMS. A crise econômica acentua ainda instabilidades sociais.
O que está sendo feito
Até o fim de 2021, a OMS planeja vacinar 20% de toda a população africana. Na África do Sul, a empresa farmacêutica Aspen Pharmacare Holdings distribuirá a vacina produzida pelo laboratório Johnson & Johnson nos próximos três meses. A farmacêutica é a maior da África e a contribuição pode ajudar a democratizar o acesso às vacinas em todo o Continente.
O Banco Mundial desenvolveu um fundo monetário emergencial para possibilitar o acesso à vacinas em 30 países da África. Além disso, a instituição financeira internacional divulgou que projetos de financiamento estão sendo desenvolvidos para os seguintes países do Continente: República Democrática do Congo, Etiópia, Níger, Moçambique, Tunísia, Suazilândia, Ruanda e Senegal.
A Costa do Marfim, na África Ocidental, foi o primeiro país africano a receber as vacinas do programa Covax. Foram recebidas mais de 500 mil doses, distribuídas para profissionais de saúde, membros da força de segurança e professores, antes de pessoas maiores de 50 anos, pessoas com doenças crônicas e viajantes. Em Gana, país vizinho à Costa do Marfim, o presidente Nana Akufo-Addo, 76, foi o primeiro a ser imunizado com doses cedidas pela Covax.
O contexto moral e político da pandemia não pode comportar uma falsa solidariedade. Países mais ricos tomando para si mais do que precisam enquanto países pobres pagam com vidas. O custo da crise é uma premissa que já é conhecida do sistema vigente – mas não pode permanecer como um costume mundial.
*Com informações da Agência Brasil, do portal DW e do The Guardian
Foto de capa: Mark Lenninhan/AFP/Getty Images.
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