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É preciso que haja uma descolonização da mídia brasileira

Atualizado às 18h32 do dia 12/01/2021

Cada um tem suas lutas e inquietações. A nível pessoal e profissional. Como jornalista, negra, antirracista, nordestina e porque não dizer, africana em diáspora (conforme já ouvi em cursos que fiz e debates essenciais com as irmãs e os irmãos pretos), eu tenho e travo minhas lutas dentro do Jornalismo. Estou em constante luta. E cada vez mais, venho percebendo uma que agora me é muito cara: a descolonização da mídia brasileira. E é pra ontem. Em honra aos meus ancestrais, se a gente olha pra ontem e quer mudar o presente, a gente acaba sendo ancestral. Pois agora, sinto a necessidade de pensar sobre isso.

As vivências que tive este ano me inclinaram pra isso. E as percepções que fui me dando conta com o tempo também. A travessia ao Oceano Atlântico que me fez chegar ao Continente Africano, mais precisamente na África do Sul, me transformou, entre outros pontos, profissionalmente. Meus objetivos enquanto jornalista ganharam uma outra dimensão. Houveram reinvenções e rearranjos, de fato. Após trabalhar durante um tempo num jornal sul-africano, conhecer um pouco do jeito sul-africano de se fazer jornalismo e perceber uma realidade (diferente do que pensei) é impossível continuar pensando igual. E ter objetivos iguais enquanto profissional.

Depois de alguns meses, refletindo muito em meio ao isolamento social e à pandemia do Covid-19, decidi tomar um novo rumo profissional e jogar o site Negrê para o mundo. Esse grande projeto que vem crescendo bem fora do meu controle. E que ótimo! Pois bem, as minhas experiências, o despertar para uma nova consciência, a busca por formações sobre África, os debates com vários amigos e colegas negros na Internet e a contínua conexão com o outro lado do Oceano, me fazem buscar atuação profissional dentro dessa ideia de descolonizar a mídia.

Mesmo sabendo que tudo é só o começo; que eu sou jovem, formada há apenas 1 ano, que tenho muita energia pra usar, que gerencio o Negrê há poucos meses (menos de um ano), que muito tenho a aprender com meu povo e meus colegas de profissão… Mesmo sabendo de tudo isso. Sinto vontade de atuar nessa causa, de estudar sobre no mestrado (quem sabe), de quem sabe escrever um livro – estilo aqueles manuais de jornalismo – falando sobre isso. Eu sei que talvez seja cedo e eu ainda não tenha conseguido digerir minhas vivências. Mas tudo é, definitivamente, tão simbólico pra mim. E não ocorreu por acaso.

Em agosto, comecei meu ciclo de formações online sobre assuntos que me importavam. Na tentativa de voltar para o Continente Africano e entender um pouco mais sobre quem sou, meu povo e os ensinamentos dos meus ancestrais, comecei pelo curso “Introdução à Filosofia Africana” com a professora mestra e doutoranda em Filosofia Africana, Katiúscia Ribeiro. E em seguida, o curso Módulo I – “Filosofia e Cultura Africana: princípios e horizontes pluriversais”, no mês de outubro, com a mesma professora.

No final de setembro, a equipe de reportagem do Negrê trabalhou no nosso primeiro especial: a série de reportagens sobre África Sustentável. Nosso objetivo era trazer uma realidade diferente da que a mídia brasileira costuma trazer sobre o Continente Africano. E mostrar aos nossos leitores que existem ações e planos de sustentabilidade dentro de cinco países africanos das cinco regiões. Então, começamos por África do Sul, passamos por Moçambique, Angola, Nigéria e terminamos nosso percurso no Marrocos. Na tentativa de mostrar algo positivo e inovador. Mesmo que, para alguns, isso seja muito pouco. Mas, para nós, significou bastante.

Continuando a minha caminhada, no final de novembro, fiz o curso “África e Diáspora: Caminhos Pluriversais” com a professora doutora em Literaturas Africanas e pós-doutora em Filosofias Africanas, Aza Njeri. Extremamente espetacular e propício para morrer de ódio do Ocidente e da Colonização. E agora, em dezembro, fiz o curso Módulo II – “Fundamentos Históricos e Filosóficos da Civilização Kemética” com aulas divididas em seis dias. O mais longo que fiz. Os professores Márcio Paim e Katiúscia Ribeiro ministraram essa minha última formação. Durante os dias do curso, fiquei me perguntando o que eu estava fazendo na escola e na faculdade porque não me haviam me ensinado o que eu estava aprendendo… me senti inútil.

E agora, quero poder ser útil. Quero ser candidata a me sentir útil. Pra minha área e pro meu povo. Não preciso nem comentar sobre como foi estas experiências mencionadas acima. Todas muito singulares e significativas pra mim. Ficarão para a memória. Porque me transformaram profundamente e me despertaram consciência e o desejo de procurar e achar o caminho adequado para uma descolonização da mídia.

Acredito ser uma preocupação nova (e minha), talvez. Ou não se tem tantos jornalistas no Brasil preocupados com isso até o momento. E digo além. Talvez, os jornais brasileiros não queiram nem tenham condições de investir em correspondentes na África para mostrar outras realidades dos países. Porque oportunidades precisam ser dadas e investimentos precisam ser feitos. As faculdades de jornalismo também poderiam despertar para isso. Disciplinas poderiam ser pensadas. Enfim.

É uma questão de inclinação, vontade, formação, investimento (não só financeiro), energia, dedicação e afins… Pois eu, mesmo pequena, me atrevo a dizer que quero descolonizar a mídia! Mas agora, a pergunta é: E vocês, colegas de profissão e leitores, também querem?

Com compromisso e respeito,

Larissa Carvalho – Fundadora, Editora-chefe e CEO (Diretora-executiva) do Site Negrê.

Foto de capa: Maximiliano Cesar/Pexels.

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